segunda-feira, 25 de maio de 2009

horizontes

São sete da tarde e atinjo a península a cem quilómetros do burburinho onde cumpro as regras da sobrevivência, sem cheiro a sal e sem marulho.
Por fim descalço, com a minha caneta de escrever na água debaixo do braço, percorro um trilho desertificado no meio das dunas. Parece que tenho umas palmilhas gustativas na sola dos pés.
À minha espera, naquele reduto onde morre o Atlântico, estão coisas simples, como os amigos e a liberdade.
A noite reveste-se de grossas nuvens e sou embalado pela chuva intensa, que se vai despenhando no tecto metálico da caravana. A poucos metros da minha cabeça, as vagas, cíclicas, tomam parte daquela orquestra inebriante e o sono resgata-me, serenamente.
O mar de sábado acorda manso. Apontam-se miras para o meio da baía. É lá que moro, sem melhores saídas, à meia maré, debaixo duma chuva intermitente.
À tarde, disputa-se na esplanada o jogo das minis e das pevides.
Às dez, mergulho com o estômago fundo num saboroso ensopado de borrego. A noite poupo-a, fugindo cedo das curvas trágicas do Bar da Praia, que habitualmente me causam ruína.
Domingo floresce. Descubro à porta da “vivenda”, pintado de palavras, um pitoresco hotel alemão. Aponto-lhe o olho do telemóvel.
Acompanhado do meu velho canídeo, cruzo, sem pressa, a praia deserta. Procuro, à força, farejar o surf que não se anuncia. Há quem o vislumbre teimosamente, vestindo sem esperas o fato-de-macaco, como se cumprisse um relógio de ponto.
Engalanado, o sol irrompe. As ondas ficam-se, durante a enchente, por meros gracejos. Mas, mesmo assim, bem melhor que em terra.
Com a segunda-feira no horizonte, em breve estou flat, na estrada de volta.
A tarde espreguiça-se na esplanada.
Observo na água as silhuetas dos surfistas esperando as vagas, que mal se levantam. Recordo o axioma: “Waiting for waves is O.K. Most people spend their lives waiting for nothing”.

3 comentários:

Raquel disse...

Amigo Lapas, começo a achar que mesmo vivendo em Lisboa, tu aproveitas melhor o nosso cantinho do que o pessoal de cá...E fazes muito bem!! :D

Saudades, amigo surfista!

miguel disse...

Mesmo que chova ou que se tenha de penar até ao meio da baía para desenhar umas ondas! Valem sempre bem os 100km. Eu, deixei me levar pelas minis no Café da praia, pelo vinho ao jantar e no fim ainda fui bombardeado uma chuva de imperiais no Cantinho. No fim adormeci que que nem um anjo, mesmo com a AutoSleeper junto ao Bar.
No dia seguinte...Voltei a dormir!
Não surfei, mas aproveitei bem o convívio dos amigos e da noite.
Não é a mesma coisa!
Mas soube-me bem.

Aos amigos do baleal...

Aquele abraço do Pataias

David Caetano disse...

Viva o Cantinho e os amigos do Cantinho!!!! O importante é irmos convivendo, ora dentro de água, ora na esplanada... de preferência uma a seguir à outra. Bem hajam, as ondas e os amigos... e as ondas com amigos :-).