quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

esqueço-me

Ás vezes parece que me esqueço. Parece que depois de meses de dias de chuva, um dia de sol é uma nova realidade, depois de semanas de mar tempestuoso, vejo uma onda bonita como se fosse a primeira vez. Amnésia ou estudo a mais, não sei qual a razão. Mas quando o surf acorda dentro de mim sinto-me viva de novo, e apercebo-me das saudades que tinha de tudo isto. Do sol, do calor na pele, das ondas esverdeadas, de tudo aquilo que faz parte de mim e que mesmo assim não me canso de redescobrir... :)
Pois é, queridos amigos do cantinho (do coração). A Pek tem andado noutras ondas que não o cantinho, mas o cantinho não está esquecido. Deixo aqui um poemazito de que gosto muito, e que tem mais 40 anos que eu. Beijinhos para todos e até breve!

"Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim."

Sophia de Mello Breyner Andresen, 1947

outras ondas

Com sol aos montes e surf à escolha por todo o lado, os quatro dias no Cantinho durante a quadra carnavalesca quase pareceram fantasia. Do carnaval, propriamente dito, nem o cheiro, “grass za deuz”. Com excepção das duas conchitas que deram à costa no dealbar da terça-feira gorda, ainda a arrastar debaixo do sol os restos da noite.
Uma era freira, e rezava, enjoada, com voz de cortiça, o manual do sexo. A outra vinha do faroeste, com tranças índias e borsalino, depois de já ter perdido as pistolas.
O nosso “Isca” ficou a medi-las, a ver qual delas trajava melhor. Lá no seu íntimo, talvez desejasse vestir o hábito e montar um puro sangue, para se ir com as duas até ao Arneiro da Milhariças, fazer vistaça na freguesia, onde é conhecido por andar aos tiros com a pressão de ar.
Mas lá deixou regressar as pombas à vida delas, quer dizer: direito ao ninho, que mal se tinham de pé.
E foi desfilar com a velha máscara de creme Nívea para debaixo do sol, montando umas ondas, antes que o levasse para vergar a mola a quarta-feira, de nome bem próprio: dia de cinzas.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

ao cantinho dos amigos da onda

A felicidade exige valentia

"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que vá à falência.
Ser feliz e reconhecer que vale a pena viver. Apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz e deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus, a cada manhã, pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um não. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

Fernando Pessoa

Um pessoal ao cantinho do abraço na onda!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

velhos são os trapos

O nosso amigo Alberto no seu surf muito particular.
Quando já ninguém previa fazer umas ondas, ai está ele! Nada mal para o velhote!...

Um abraço.

gaivotas em terra

Foi com muito prazer que encontrei o nosso amigo Zé e a sua Meia no nosso Cantinho. Reencontro de amigos é sempre bom, não esquecendo que o nosso amigo André fez anos. Parabéns e muitos anos junto do pessoal amigo. Um abraço.













terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

grato pela amizade

Quero dizer nestas primeiras linhas que prometo voltar a escrever e colocar algumas fotos. No entanto, não será demais referir o quanto estou grato pela amizade criada com as pessoas que fazem parte desta família. Obrigado Luis e a todos aqueles com quem tenho partilhado a minha nova (velha ?) vida.



sábado, 14 de fevereiro de 2009

lendas do surf - gerry lopez

Bem pode dizer-se que um manancial de livros poderia ser escrito sobre Gerry Lopez. Se quiséssemos retratá-lo em poucas palavras, bastaria dizer que fundou a sua reputação em Pipeline, onde surfou como ninguém, antes e depois dele.

“E quando todos esperavam o pior, ei-lo cuspido pela boca da grande caverna. Obliterantes, mil máquinas fotográficas apoderaram-se dele. Pareciam chuva em telhados de zinco”.
Tenho inculcada de Gerry Lopez esta imagem distante, colhida há uns bons vinte anos na leitura de um artigo sobre os astros de Pipeline.
Com um estilo singular e uma abordagem das ondas muito mental, Gerry criou em seu redor uma aura de deus do surf, admirado um pouco por todo o Mundo.
Nascido em Honolulu, a 7 de Novembro de 1948, cedo despertou para a prática do surf. Aos 14 anos, venceu o campeonato juvenil do Havai. E, desde então, muitos êxitos somaria, até à máxima consagração, em 1972, como Master of Pipeline – prémio que repetiria no ano seguinte.
Para aí chegar, muito contribuiu o inverno épico de 1969-70. Gerry inaugurava, então, o tubo em Pipe’, escrevendo assim uma importante página na história do surf.
Nos tempos de estudante, tinha por ídolo Paul Strauch, cujo estilo e graça seriam sempre o seu ponto de referência. Chegaria à Universidade do Havai em 1967, para estudar arquitectura, mas, ao fim de dois anos, abandonaria os livros para se dedicar inteiramente ao edifício das ondas, tornando-se um verdadeiro “new age surfer”.
A revolução da shortboard e a geração hyppie encontraram nele o fiel arquétipo. Incursões pelo mundo do yoga, da meditação e do psicadelismo tornaram-se comuns no seu quotidiano, numa altura em que começaria a shapar pranchas, sob a supervisão de Chris Green.
Em 1971, fundou com Jack Shipley a Lightning Bolt, marca que pretendia representar o surf havaiano. Durante os anos setenta, todos os surfistas de nomeada experimentam no North Shore as pranchas “Relâmpago”.
Mas Lopez viria mais tarde a trocar o Havai por Bend, no Oregon, e o surf pelo snowboard.
Uma mudança quase forçada, que já se vai explicar, e que em certa ocasião o fez reconhecer: «Quando vivia no Havai, as minhas necessidades eram básicas e os meus interesses limitados: mantinha-me actualizado sobre as previsões, deslocava-me aos melhores sítios e surfava as melhores ondas. E sentia-me feliz assim. O modo de vida havaiano é pouco exigente: um par de calções, uma t-shirt, papaias, bananas, arroz e peixe.»

Novos rumos
Apesar do idíllio, em 2001, Gerry deixou mesmo o Havai e mudou-se com a sua família e o seu negócio para o Oregon, onde actualmente continua a shapar e pode ser visto a fazer snowboard e ski aquático.
Tudo começara 1989, altura em que o gigante de Pipe’ descobriu os encantos da neve: «encontrei nela um novo mundo. Descobri que aquele tecido branco provém do mesmo fenómeno atmosférico que gera as entusiasmantes condições de mar havaianas.»
Mas o cerne desta mudança foi mesmo o ingresso do seu filho, Alex, na universidade. Este novo ambiente transformaria também a sua vida profissional. Para fazer face ao frio do Oregon, o antigo surfista descobriu no Capilene o associado eficaz, interessando-se pelo facto de este material, depois de usado, ser reciclado pela própria marca que o produzia, a Patagónia. O resultado foi a sua incorporação na empresa, onde exerce as funções de embaixador.
A construção de pranchas, actividade que faz questão de manter, ocupa-lhe o restante tempo: «É algo que já faço há quarenta anos, uma arte em que posso dar asas à minha criatividade e que me continua a proporcionar muita diversão».
Embora o surf desempenhe ainda um papel importante na sua vida, Lopez afirma: «Estou feliz com toda esta mudança».
Outra actividade a que aderiu recentemente foi o paddle surfing: «apaixonei-me por esta variante do surf e, sempre que tenho oportunidade, faço uma perninha».
Entre tudo aquilo em que se vai empenhando, Lopez ainda guarda espaço para causas nobres. A sua mais recente aventura, que, diz, «não trocaria por nada», tem sido a angariação de fundos para o tratamento do autismo, tendo, com esse fim, participado, nos últimos dois anos, no circuito de stand-up paddleboard à volta de Manhattan.
A esposa e o filho partilham com ele a paixão do snowboard. Nos verões, que são curtos, fazem campismo junto às praias, lagos e rios do Oregon, cujo esplendor Gerry não pára de elogiar.
Apesar de semi afastado das lides do surf, faz questão de frisar: «O surf é e será sempre a razão de muitas coisas que faço na vida». E, como qualquer surfista, afirma não conseguir imaginar o dia em que não poderá surfar, pois não esconde: «Continuo apaixonado como sempre estive – é a natureza do surf. E soube, desde cedo, que ia ser sempre assim».

Waves keep coming
Há anos que Lopez não surfa Pipeline. «Cheio de crowd», diz, para se justificar. «As experiências que lá vivi em jovem foram excelentes, mas cheguei à conclusão de que havia uma perspectiva para apreciar Pipeline ainda melhor: sentado na praia».
Levado a comparar o surf de hoje com o do seu tempo, Gerry reconhece que, «desde há muito, o surf tem vindo a sofrer uma evolução técnica profunda e os jovens surfistas de hoje apresentam uma preparação que a minha geração não tinha.» E reforça, com uma humildade desconcertante: «Há, até, raparigas que surfam melhor do que eu jamais sonhei surfar».
Sobre a crescente industrialização do surf, revela: «Quando eu comecei, a única indústria que havia era a dos tipos que construiam pranchas. Não havia, por exemplo, uma indústria de vestuário como há hoje. Nenhum de nós fazia a menor ideia do que estava para vir. O surf era um desporto obscuro, que só encontrava adeptos em marados como nós. À medida que foi ganhando mais adeptos, a única coisa que nos ocorria era que isso significava menos ondas para nós».
Este pensamento levou Lopez a consagrar-se como explorador noutras paragens, cabendo-lhe a descoberta de spots lendários, no Bali e noutros locais da Indonésia, que ainda hoje vai incluindo nas suas surf trips.
“Anoher wave is always coming” é uma máxima de Lopez que se adapta tão bem ao mar como à vida. Mas consciente dos problemas ambientais que a humanidade vive nos dias de hoje, alerta: «Poderá chegar o dia em que não haverá mais ondas – isso seria uma grande tragédia para os nossos filhos».
E aponta o dedo à sociedade de consumo: «Grande parte das pessoas vive hoje em dia sob o lema ‘usa, abusa, deita fora e compra novo’. É responsabilidade de todos inverter esta mentalidade».
Vale a pena pensar nisto.


Fotos (ordem descendente):
1) Captado pela 'câmera de bordo', para a Surfer Magazine, 1976.
2) (Sentado) com a trupe, no dealbar de 70’, na companhia das suas Lightning Bolt (foto de Dan Merkel).
3) Com o seu cão, Jack, na Surf Shop que tem em Bend, no Oregon (fonte: latimes.com).
4) Nas ilhas Metaway, entubando para o filme “Riding Giants” (fonte: patagonia.com).
5) Drop em Pipe', com uma Lightning Bolt (foto de Dan Merkel).
6) De novo em Pipe', num bottom descontraído (foto de Brian Bielmann).

Nota
Declarações de G. Lopez citadas e traduzidas de:
1) edição online do Los Angeles Times, “Surfing still shapes life of landlocked Gerry Lopez”, por Jerry Crowe, 22/12/2008;
2) edição online da Surfer Magazine, vol 45, #9, entrevista, por Chris Mauro, Julho 2008.

Fontes
Imdb.com
Patagonia.com
Latimes.com
Surfmag.com
Surfline.com
Hsssurf.com

Curiosidades
Surf is where you find it é o título do livro que Gerry Lopez publicou em 2008, e que reúne um conjunto de pequenas histórias em redor do surf.
Em 2002, foi distinguido como “shaper of the year”.
Em Julho de 1999, foi galardoado com o prémio Waterman of the Year, pela Surf Industry Manufacturers Association (SIMA), como reconhecimento pelo seu empenho na defesa dos oceanos e na preservação da sua envolvente ambiental.
Entre 1993 e 1997, o Pipe Masters realizou-se sob a designação de Chiemsee Gerry Lopez Pipeline Masters.
Gerry participou em mais de uma vintena de filmes e documentários, com destaque para o seu desempenho no clássico “Big Wednesday” (de John Milius, 1978) e a co-participação com Arnold Swarzneger em “Conan – O Bárbaro” (1982).


Umas do "Rei" (início), ao som dos míticos Led Zeppelin:

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

apeteceu-me participar

Depois de algum tempo que levei a ler as vossas mensagens e, pertinentes, alguns comentários, pensei hoje em escrever.
Porque houve ondas, sol, luz. No Cantinho.
Tanta luz que alguns reflexos estavam quase a mais, na surfada de hoje. No fim, a noite tinha-nos levado a todos, os que surfámos. Casa, comer, programar outra surfada, planear outras surfadas.
Depois, mais Cantinho, mais ondas que hão-de vir. O vento devia virar por fim offshore, com ondas lindas por todo o lado, porque aqui já as há, capitais de força e persistência.
Mudam os bancos de areia, natureza inerte e viva. As ondas agora estão ali e depois aqui, muitas vezes no Cantinho.
Mais de mil surfadas? Parabéns. Cada paulada, cada manobra, de cada surfista, aqui gravada. Parabéns.

Um abraço
Saraiva
Imagem: "Sunset Glide", de David Lloyd

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

mulheres maduras

Porque não há mais mulheres a surfar depois dos trinta? As que existem a surfar são apenas miúdas. Que não sejam miúdas só conheço a Té.
Há dias, estava a surfar na net e encontrei umas fotos de mulheres surfistas mais velhas. Aqui, uma vez mais, está presente o espírito do surf.
Não se vê pessoal desta idade a praticar desportos que exijam esforço fisico, como o surf. Uma mulher pode até ter uma certa idade, mas com uma prancha de surf o caso muda de figura: ficam muito mais sexys! - não existe peeling ou lipoaspiração que bata uma prancha de surf!...
Deixo aqui não um convite mas um apelo às mulheres com mais de trinta anos que não surfam: venham para a praia e comecem a surfar! Quando for velhadas não quero ir para os bailes das velhas, quero ir para o mar apanhar umas ondas e ter amigas surfistas da minha idade e não só gajos velhos e resmungões como todos os velhos!
E lembrem-se: uma mulher com uma prancha fica muito mais sexy.
Fotos : Joni Sternbach

sábado, 7 de fevereiro de 2009

faz parte do meu show

Vai estando pronto para abrilhantar os serões do próximo Verão o grande David Caetano! Desde Pink Floyd a Xutos e Pontapés, é vê-lo chamar a música, com a sua alegre dentadura a transbordar de emoções, sobretudo quando arranha nas cordas de aço o Homem do Leme e teima em trocar os dós pelos fás, sem que isso, sequer, se faça notar, tal é o artista.
O que ele não troca por coisíssima nenhuma é o costumeiro jantar de sábado, em redor dos amigos e duma boa conversa, o que o distrai perigosamente, pois não fosse o comparsa Diogo um providente Ratatui e teríamos tido por repasto, no último sábado, um belo esparguete à "chamusquesa".
Que o diga o feliz do Emanuel “brazuca”, que preferiu dispensar um certo concerto na capital em prol da clássica jantarada. No fim da noite, vestiria a pele do mano Cazuza, que nós por cá até ignorávamos. “Faz parte do meu show”, cantava ele, enquanto dedilhava no telemóvel um “Te pego na escola e encho a tua bola”.
Send message.
E o resultado foi ela ter vindo parar aqui. Ó David, tens de aprender esta!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

pai, também quero fazer surf!

Esta é a frase que muitos surfistas esperam ver brotar um dia na boca dos filhos. Mas há quem dispense essa expressão de vontade e os meta à água quase sem dentes e a cheirar a Cerelac.
Seja lá como for, ou quando for, sempre será um sacramento, um rito de passagem, como um baptismo ou, mais ainda, uma tribal circuncisão (felizmente, indolor).
Uma experiência que irá, por certo, repetir-se viçosa pela vida fora, pois acredito existir incólume no seio do surf, como em poucas outras coisas, o sentimento da benção e da purificação, renovado sempre em cada corrida para o colo da onda.
Queremos, por isso, os nossos filhos a experimentarem o quanto antes essa vivência, a colherem dela uma sagrada satisfação, como os apóstolos da Santa Ceia.
Nesse dia bendito, não iremos cobri-los de brancas rendas, nem oferecer-lhes pulseiras de prata depois do rito de iniciação. Talvez vestir-lhes uns calçõezinhos com flores de ibiscus e pôr-lhes na mão uma bola de berlim, enquanto respiram singelamente a felicidade com os dedos dos pés enfiados na areia.
E se nos pedirem, com o seu sorriso maior que o sol, para lá voltarmos, comungaremos da sua livre vontade, que nos enternece religiosamente, como uma flor espontânea.

Amor precoce
A notícia não é de agora, mas Jaylan Amor (na foto), criança australiana que deverá ter hoje a idade do meu filho, já deslizava sobre as ondas pouco depois de aprender a andar. E, aos dois anos, ele e a irmã também surfista, Shayla Amor, já angariavam patrocínios! Caso para dizer: isso também é demais!...
Acreditava, naquela altura (2007), o The Daily Telegraph estar-se perante o miúdo mais novo a andar nas ondas da Golden Coast e, provavelmente, de toda a Austrália.
A praia parava para ver “trabalhar” o pequeno Jaylan. O pai afirmava que aquele talento lhe estava no sangue, pois ele próprio e a senhora Amor haviam passado pelo “kneeboard” enquanto jovens, e as crianças, desde cedo, corriam para a água como autênticos patos.
Com a ajuda do pai, que o conduzia sentado na prancha até uma zona de mar aberto, Jaylan erguia-se alentado sobre o deck, viajando, dizia-se, durante mais de cinquenta metros.
«Quando cai numa zona sem pé, ele esbraceja desenrascado até à prancha, aí esperando pelo resgate» – relatava o pai.
Sem pretender colocar pressão nos gostos de Jaylan, Peter Amor olhava o fenómeno com realismo: segundo ele, o seu "Amorzinho" também gostava duns toques na bola e - quem havia de sabê-lo? - poderia um dia trocar o mar pelos relvados.

Quando é Abril, pai?
Ao cruzar, há dias, na companhia do meu filho, a Praça de Espanha, ele viu um rapaz a atravessar a estrada com uma prancha de bodyboard. Pergunta, de chofre, com ar muitíssimo preocupado:
- Aquele senhor partiu a prancha, pai?
Habituara-se, desde sempre, a ver passear-me, dum lado para o outro, com um grande objecto, muito grande, muito grande, que lhe arregalava as pupilas, tal como a lua e os aviões.
Quando, por fim, começou a andar, vinha passar-lhe por cima as mãos pequenas, para poder aprender com elas aquilo que os olhos, até então, não lhe haviam dito. Aos poucos, rolaram, inevitáveis, as perguntas:
Para que servem as quilhas?
O leash é para quê?
Para que serve o wax?
Cinquenta vezes...
Ainda há bem pouco tempo, ele conseguia facilmente encher-me de garbo quando pegava numa revista de surf e dizia de pronto que aquele da capa (a sacar um tubo ou a rasgar um alto bottom) era o papá!
- Não, filho, esse é um amigo!
Ao fim duns tempos, o Kelly Slater, o Andy Irons e o Shane Dorian eram amigos do papá. Iam para a escola com o papá.
- O que fazes na escola com os teus amigos, papá?
Apetecia-me dizer-lhe que fazia surf o dia inteiro, mas tive receio que uns anos mais tarde ele não pudesse perdoar-me uma mentira tão cruel.
Como é de esperar, em face da onda que lhe passa em frente desde a nascença, já vem expressando a condizer a sua vontade:
- Também quero fazer surf!
- Tens, primeiro, de aprender a nadar.
- Mas eu já sei nadar!
(Sabe sempre tudo!...).
Lá começámos as sessões de piscina, em Setembro passado, sob a promessa de uma prancha e de um fatinho para o mês de Abril. Pergunta da moda nos últimos tempos:
- Quando é Abril, pai?
Lá vou tentando, com dificuldade, mensurar-lhe dois meses, que é o tempo que falta para apagar as quatro velas e desembrulhar o desejado presente.
Às vezes, penso: “Não será cedo?”
Depois, tropeço no Jaylan Amor.
O pequeno, coitado, nem teve escolha. O meu, pelo menos, já clama as ondas de livre arbítrio.
Será herança ou religiosidade?