quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

um grande passo para a humanidade

- Que é que ‘tás a fazer, homem?
- Estou a desatar os sapatos. O Mick Fanning disse numa entrevista recente à revista Surfer que gostava de andar com os ténis desapertados porque isso lhe dava uma sensação de liberdade e despreocupação. Como vou ter de ir trabalhar amanhã, é para aliviar o stress!...
- ‘Tá boa...
- Além disso, quando eu era miúdo, tinha o pé chato e usava botas ortopédicas. Detestava sentir os pés afogados dentro delas. Ainda hoje, quando desaperto os sapatos sinto um prazer indescritível. É como desapertar uma gravata, percebes?
- Sim. Mas, se o problema é esse, porque é que não andas de chinelos, em vez de calçares essas traineiras?!
- Se andasse de chinelos, não tinha o prazer de desapertar os sapatos.
- Tu estás doidinho, não estás? Vá, ata lá os sapatos e deixa-te de tolices! Um homem com os sapatos mal atados não vai a lado nenhum nem consegue dar passos seguros!
- Não, não vou apertá-los!
- Ai vais, vais. Não os apertas tu, aperto-tos eu! Vá, dá cá o presunto.
- Aaaaaiiii, estás-me a aleijar no calo!
- Eh pá, não sejas maricas!
- ...Maldito o dia em que inventaram os atacadores!
- Cala-te! Sabes o que disse o Neil Armstrong quando pisou a Lua em ’69? “Um pequeno passo para o homem, um grande passo para a humanidade!”.
- E então?!
- E então, se apertares os sapatos, não te arriscas a dar passos em falso ou a tropeçar. Os atacadores são uma invenção tão importante como a ida à Lua!
- Mas o Mick Fanning...
- ... Eh, pá! O Mick Fanning é um menino que não sabe para que é que servem os atacadores, nem os cintos, nem as gravatas, nem os fechos das braguilhas, porque não vai ter de ir trabalhar amanhã, ao contrário de ti, nem pô-la a mijar, porque tem quem o faça por ele. Além disso, vais ver que a tua mãe gosta mais assim... Não te esqueças que era ela quem te apertava as botas ortopédicas!...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

o cavalinho de pau

- Estás a vê-los, Rudi?
- Sim, estão ali a comer enlatados e a beber cerveja.
- O.K. Então, já sabes, é chegar lá e disparar a sangue frio, sem contemplações! TA-TA-TA-TA-TA!
- Achas mesmo necessário?
- Claro! Desde que fizeram cá o Campeonato do Mundo de surf, isto parece o penico de Óbidos. Morte ao turismo de massas!
- Mas eles ‘tão a comer sardinhas, Dave! Massas é mais em Itália...
- Cala-te, Rudi. Só tens de chegar ali e dar ao gatilho até ficares sem balas na câmara.
- Mas... eu não tenho balas na Câmara, Dave. A única coisa que tenho na Câmara é o nosso amigo João Rosado, que trabalha lá.
- Sabes, Rudi, acho que essa camisola às riscas está a fazer de ti um verdadeiro Dalton!...
- Dalton? Qual Dalton? O que trocava as cores?
- Não, imbecil. O Averell, do Lucky Luke.
- Olha, por falar nisso, quando é que me devolves o meu cavalinho de pau, o meu Jolly Jumper?
- ...Quando me trouxeres de volta os meus Gormitis!
- Primeiro, o cavalinho de pau!
- Os Gormitis!
- O cavalinho de pau!
- Os Gormitis!
- OU O CAVALINHO DE PAU OU NUNCA MAIS BRINCO CONTIGO NOS DIAS EM QUE NÃO HOUVER ONDAS!...
- Pronto, pronto! Não há-de ser por causa da porcaria do cavalinho de pau que vamos deixar de brincar aos gangsters com as bisnagas!...

domingo, 24 de janeiro de 2010

a bela e o paparazzo

Este fim-de-semana, entre umas ondas mal formadas e umas abertas no céu, que deixou o sol romper e cujos raios foram aproveitados ao máximo, tivemos um vislumbre do filme que vai estrear para a semana, neste caso A Bela e o Paparazzo, versão Cantinho da Onda.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

efeméride

Completam-se hoje 76 anos sobre a revolta dos vidreiros da Marinha Grande, que protestaram em 1934 contra o Estatuto do Trabalho Nacional. Que tem isto a ver com o surf? Nada, aparentemente. Mas como não me ocorria o que escrever, pus-me a olhar para a estante dos livros, à procura de alguma coisa que me beliscasse.
Passei os olhos numa tábua de efemérides e espreitei as ocorrências do dia 18 de Janeiro, que é hoje.
Aprendi umas coisas sobre o corsário Mondragon, o Duarte Pacheco, a capital do Perú, a constituição do Império alemão, o Pólo Sul e até o facto de o explorador britânico James Cook ter descoberto neste mesmo dia, em 1778, as ilhas do Havai.
Os vidreiros, por seu turno, estavam destinados a que alguém elegesse falar sobre eles num blogue de surf, que são coisas (o surf e o blogue), claro está, de cuja existência eles não poderiam suspeitar há 76 anos, até porque tinham mais com que se preocupar - como contestarem o tal Estatuto do Trabalho Nacional, inspirado na Carta del Lavoro do fascismo italiano e que se preparava, então, para lhes subtrair uma catrefa de direitos fundamentais e relegá-los para uma espécie de subordinação canina, sem horizontes. Ou seja, tudo aquilo a que um surfista, verdadeiro amante da liberdade, nunca desejaria submeter-se.
Em 1934, não havia surfistas no nosso país. Mas se imagino que os houvesse e que acendessem numa praia uma fogueira, e tocassem viola, escondendo os olhos sob as guedelhas longas enquanto fumassem cigarros esquisitos, alguém de passagem os denunciaria à Polícia de Vigilância do Estado.
Recaíria sobre eles a mácula da vagabundagem e do anti-corporativismo, por preterirem a solidariedade entre a propriedade, o capital e o trabalho em benefício da solidariedade entre o despojamento e o ócio. O próximo spot, como no caso dos vidreiros, havia de ser o Tarrafal.
Não tenho dúvidas.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

a bela e o surfarazzo

- Então, Marilyn, que carinha é essa? Parece que acabaste de vir da Loja do Cidadão!...
- Já sabes que não gosto de ficar aqui plantada, horas a fio, à tua espera...
- ...Mas as ondinhas estavam tão boas!...
- Pois... E eu?
- ...E tu podias fazer ponto cruz enquanto esperavas por mim, amor, ou ir visitar a prisão de onde fugiu o Cunhal, que é tão histórico como tu!... Vá, dá cá um kiss e não te chateies. Temos o resto do dia por nossa conta!
- O resto do dia? É quase noite!...
- Melhor ainda! Vamos para casa e, enquanto eu tomo um banhito quente e trato da minha depilação genital, tu acendes a lareira e metes o chouriço ao lume!
- Sabes, Moura, está-me a apetecer uma cataplana, ou uns bifinhos de champinhons...
- Ah sim?! Então, ‘tá bem. Vá lá comprar os bifinhos ao Intermarché, que o menino empresta-lhe o cartão de crédito. E, se for a menina a cozinhá-los, até lhe ofereço um apartamento num arranha-céus do Dubai e o computador Magalhães, para jogar ao Solitário lá nas alturas!...



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

vento cão

Apesar do frio que assolou o país este fim-de-semana, nem tudo foi mau.
A ausência de vento e o sol de sábado justificaram as quase três horas que passei no mar do nosso Cantinho, com uma ondulação aceitável, a funcionar, inclusivamente, à maré vazia.
Já no domingo, o filme foi outro. Despertei com a carcaça do meu valioso hotel ambulante a pelejar com o vento. As fortes rajadas, junto ao Lagide, pareciam decididas a despejar-me pela encosta abaixo e ao meu velho canídeo, que àquela hora já se mostrava bastante ansioso por devolver à natureza a última ceia.
Ter de voar na furgoneta, seria até um mal menor – antigamente, se descia de eléctrico uma rua de Lisboa, desejava mesmo que lhe faltasse o freio, só para ver como era! – desde que não se aleijasse ninguém...
O meu problema consistia primeiramente na higiene do bicho, que me inquietava com as suas bufas premonitórias...
Se o levo para o meio do vendaval, ainda fico sem ele, pensei. Se espero demais, vai acabar por se borrar todo.
Sempre detestei dilemas, porque tenho tendência para a pior saída.
Mas, ali, estava-se mesmo a ver, a única saída era a porta.
Trela enfiada e vamos nós.
Mal vê a rua, já lhe brota da tripa o mal, que trato de pisar, no meio daquela atrapalhação, querendo fazê-lo descer do estribo sem que se magoe.
Uma vez lá fora, o xixi nem sequer alcança o chão, pois o vento rasteiro projecta-o no ar como uma pistola de rega. E os dois croquetes, acabadinhos de cozinhar, abalam a correr pelo terreno arenoso, como ratos assustadiços.
No pára-brisas da Volksvagen ali ao lado, descubro um jovem casal alemão, de quem só conhecia até ao momento as sapatilhas, que tinham deixado a pernoitar cá fora.
Seguram chávenas, que adivinho com chá quente.
Riem.
Sou a sua televisão.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

filomena

Mergulhou as unhas envernizadas na carteira e tirou de lá vinte euros, para dar ao filho adolescente que tinha as calças a fugirem-lhe do cu e cabelo de cão de água. O puto voltou-lhe um agradecimento esforçado e desapareceu com a prancha de surf debaixo do braço em direcção à praia.
- Está a ver, senhor António – disse ela, automática, para o empregado de balcão, enquanto vazava sobre a bica o pacote do açúcar – só dão é despesas!
Depois, fitou-me, de soslaio, a sorrir com apenas metade da boca, requerendo a minha cumplicidade.
Eu dispensei-lhe um sorriso formal e chamei o “António”, que não me conhecia de lado nenhum, para saldar a conta. Acabei por sair daquele café na Caparica a remoer na imagem familiar do rosto dela, semi travestido pelos cosméticos e algumas rugas.
Só se fez luz no dia seguinte, quando pensei na Filomena, que eu conheci por aquelas bandas em '86! A dita, vistosa, teria, então, uns 16 anos e sobressaía nuns fotográficos olhos azuis e no volume emancipado dos seios. Era do tipo extrovertido e não tardou a meter conversa com o grupo de amigos que frequentavam naquela altura as ondas da Costa e o Quica Bar, entre os quais me incluía eu.
A Mena era fixe.
Curtia com todos e consentia sem problemas uns apalpões. Mas não tardou a transferir-se para o grupo dos betos, que tinham pranchas brand new, roupinha de marca e estavam lá a semana inteira, porque não precisavam de vergar a mola para comprar peúgas e gilletes.
Em pouco tempo, foi-nos negando os apalpões e, dos lábios dela, já só tínhamos notícias quando vinham, casualmente, beijar o filtro dos cigarros que nos ia cravando.
Depois, aos poucos, evaporou-se. Durante mais de duas décadas, até à data inevitável destas linhas.
As voltas que o mundo dá!...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

dia d

- Ke bela maneirra de komeçarr o ano! Estamos sofrrendo um invasão, tenente von Lili!
- Ya, mein kapitão!... De prranchash e kanoash!
- Ainda porr cima, kanoash! Já não bastavam os prranchash!...
- "Kanoa de vela errguida..."
- Não é horra de brrinkarr, tenente von Lili! Maish uma dessash e vai surrfarr na klorroforrmio!
- Enstschuldigung, mein kapitão! É maish forrte ke eu eshta vontade de serr kantorra!...
- Kale-se! Trrate já de prreparrarr um injecção letal parra eliminarr essesh porrkosh invasorresh! Depoish, poderrá kantarr-lhes o marrcha fúnebrre!
- Ya, mein kapitão! Mash... prrimeirro, prreciso irr ao kasa-de-banho!
- Was?!
- Eshtou enerrvada! E os nerrvosh alterram-me osh inteshtinosh...
- Chaisse! Você só me dá prroblemash, tenente von Lili! Se os seush intestinosh não funkcionam, tem bom remédio: korrta o barriga àquele parrakedishta inglêsh e fika kom os inteshtinosh dele, ke devem estarr limpinhosh de tanto chá!...
- Eshtou a fikarr agoniada!
- Agoniado eshtou eu, kom tantos prranchash e kanoash!...