sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

natalidades - greg noll e o super-homem

Como era costume, Jonas saiu para ver um filme no dia de Natal. Com os bilhetes esgotados, a única coisa que lhe ocorreu foi palmilhar a Rua Augusta e trautear o “Yesterday”, que o primo Noé cantarolava sempre que a vida lhe corria mal. Por falar nele, menu, contactos, Noé, ligar!
- Alô, Noé, Bom Natal!
- Bom Natal, Jonas! Pensei que estarias no cinema!..
- Também eu! Sabes uma coisa? Como os bilhetes estavam esgotados, pus-me a andar pela rua fora e a rever mentalmente o Super-Homem...
- ...Nietzsche? O grande Tolstoi chamava-lhe estúpido e anormal. E muito bem! Um homem que acredita na teoria do Super-Homem só pode ser estúpido e anormal! Além disso, naquela altura, ainda não tinha nascido o Greg Noll! Caso contrário, a história seria outra!
- Esquece lá o Nietzsche, estou a falar do "Super-Homem", o filme, que vimos juntos no Éden em 1978!
- Seja lá onde for, na filosofia ou no cinema, Super-Homem é o Noll!
- Estás a comparar o Greg Noll ao Clark Kent?
- Não. Estou a comparar o Greg Noll ao Super-Homem! O que é mais difícil? Escapar a uma tonelada de água por cima da cabeça ou voar com a Lois Lane nos braços?
- ....!!!
- Por exemplo: se o Pai Natal desse uma prenda ao Super-Homem, que prenda seria, Jonas?
- Talvez uma capa nova, que a outra já deve estar velha; ou então um bife Bourguignon, de que ele tanto gostava...
- Isso pressupõe que ele ainda se mantém jovem, com dentes para a capa nova e o Bourguignon!
- Claro que sim! Velhos são o Batman e o Flash Gordon! Ele nasceu a 29 de Fevereiro. Por isso, envelhece quatro vezes menos!...
- Pois é, Jonas! Essa é uma grande vantagem que ele tem sobre o Flash Gordon e o Batman. Mas também sobre o Greg Noll, que soma hoje 72 anos e que, se acreditasse no Pai Natal, pedia-lhe já para ter nascido no dia 29 de Fevereiro, com efeitos retroactivos, descontando-lhe os anos que não fez. Assim, teria 18 e estaria pronto para dar na pá ao Kelly Slater. Se o Pai Natal visse o que ele fez em tempos às maiores ondas do Planeta, tratava já de lhe chamar Super-Homem e de lhe descontar imediatamente a placa dentária e as artroses e a porcaria da canção dos Beatles!...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

a onda eterna

- Que lês tu, ó vaca que lê?
- “O homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda”.
- Interessante...
- ... Familiar, diria eu! Fazendo sempre a sua onda, e nada mais fazendo, que distingue este homem duma vaca num prado verde?
- Se, em vez de poeta, eu fosse filósofo, responder-te-ia que precisam ambos dos seus elementos para crescerem. A diferença está no efeito, que na vaca é físico somente.
- Secundarizas, ó poeta, a minha dimensão terrena? Põe os olhos na Índia!
- Escuta, ó vaca: a vida é como a digestão! – absolutamente transitória! Quando eu era pequeno, costumava visitar uma tia do campo que tinha uma vaca. Impressionava-me muito o jeito indolente daquele animal volumoso; o seu inefável vagar, expelindo excrementos e mastigando sempre; mastigando sempre e expelindo excrementos, num acto mecanicamente idêntico ao de pestanejar. Foi nesse contexto que eu percebi que a vaca era a vida. E a vida uma vaca, absolutamente vaca e transitória.
- Não me compares, ó poeta, à vaca da tua tia! Eu sou artística! E, nessa medida, sou eterna!
- Concordo que essa observação inteligente e particularista não é para uma vaca qualquer, ó vaca!
- Que sabes tu de vacas, ó poeta? Que não têm mais nada para fazer a não ser abanarem o rabo para enxotar as moscas? E fornecerem os ossos para fabricar sabão? E os pelos das orelhas para fazer pincéis? E serem gordas no tempo da abundância? E assumirem a sina da sua pobre mão, que é ser comida com grão?
- Acalma-te, ó vaca! Pareces um touro enraivecido!
- Ai, se eu pudesse sair daqui, ó poeta, ai eu marrava-te!
- Não sejas vaca, ó vaca! Conta-me lá essa do homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda.
- Conheço apenas o meio da história, em que o homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda se deixa envolver, como diz aqui, “uterinamente” nela.
- Que poético, ó vaca! Sendo que nunca poderás mudar a página, esse homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda ficará para sempre dentro dela. Eis o que transcende a dimensão física e transitória do teu prado verde...
- MUUUUUU!...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

a criação do mundo

(Tradução a partir do poema original de Luigi Boffa-Molinar)
Fotos: Mary Anne Faysk















Eu sou a
onda. Cíclica. Como um
escopro umbilical. Que arremete e
fende. Tu és o

centro.

E o mundo cabe na matriz do
centro. E o fluxo cabe no re
fluxo. E o ensejo no

ponto.

Eu sou a
onda. O embate. Grávido. Ao sabor da
maré.






















sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

fado clandestino

Nem os Tokio Hotel
Os cantores penicheiros Ivo & David preparam-se para apresentar brevemente ao público o seu mais recente trabalho: “Ondas & Marés”.
O espectáculo está marcado para o dia de Natal, na marina de Peniche, onde actuarão os Deolinda, cabendo ao duo do Oeste as honras da primeira parte.
Uma história que bem podia, afinal, ser escrita ao contrário, pois têm sido, esmagadoramente, os fãs do duo quem, desde cedo, desespera por sentir nas mãos os tão desejados ingressos, à venda já a partir de amanhã na secretaria da Câmara Municipal.
Nos últimos dias, a presença permanente de milhares de jovens à entrada do Município gerou mesmo uma onda de solidariedade por parte da população penichense, que não tem regateado esforços para assegurar com víveres e outros bens de primeira necessidade a sobrevivência dos fervorosos seguidores de Ivo & David, a pernoitar há dias em condições deficitárias para poderem ouvir no próximo dia 25 o cobiçado dueto.
Tendas, cobertores, caixas de cartão: tudo serve para descansar o corpo da maratona diária, igualmente compensada, desde a primeira hora, pelos supermercados locais, incansáveis no fornecimento de relaxantes “Durex” e “Casal da Eira”.
Joana, 16 anos, vinda da Nazaré, elogia a organização: «Peniche está de parabéns! Ter a oportunidade de ver Ivo & David depois de curtir oito dias à porta da Câmara, é o máximo! Nem os Tokio Hotel conseguiram gerar um acampamento tão grande e duradoro à porta do Pavilhão Atlântico!».

Alabá Nutê e “A Invenção do Amor”
E não se pense que a boa vontade de Joana é fruto da idade, pois um pouco adiante fomos encontrar a dona Palmira, de 66 anos, avó do Danilo, de 18, e que veio com o neto directamente de Freixo de Espada à Cinta para escutar a banda mais desejada do Oeste: «Quais Beach Boys, quais quê?! Ivo & David é que é!» gritou-nos na cara a dona Palmira, enquanto franzia o nariz e sorria desabrida com os seus quatro dentes. «Olhe!», continuou ela, «o do barrete é muito parecido com o Ricardo Xibanga, o toureiro, lembra-se? É só por dizer que este é branco, enquanto o outro era preto!...».
Fizemos um silêncio pesado, que Palmira tratou imediatamente de aligeirar com uma expressão de cupido. «O dos caracóis», retomou ela, «faz-me lembrar um amante que tive em Marrocos, quando fui para lá fazer surf e curtir uns fumos, em 1964. Chamava-se Alabá Nutê, que em português quer dizer Cavaleiro do Tempo. Passei com ele dias a fio, dentro duma Volkswagen pão-de-forma, à procura da onda perfeita, que nunca encontrei, e só alguns anos mais tarde, muito depois de ter regressado, é que eu percebi que a onda perfeita era afinal aquele rapaz de pele acobreada, que me cantava, todos os dias, com a sua guitarra clássica e voz de mel, uma canção esquisita, num português muito mal arranhado, que só depois do 25 de Abril é que eu descobri que era um fado clandestino, inspirado no poema do Daniel Filipe “A Invenção do Amor”, mas que não tem nada a ver com o “Clandestino” cantado por uma bandazita que anda para aí agora e que se chama Deolinda, está a perceber?».
Imagem de: Aaron Bihari

domingo, 5 de dezembro de 2010

uma questão de pica

- Ó Ixca, vamos fajê uma jondas?
- Ó Ruca, vai gojá o caraxas!
- Num tou a gojá, Ixca! Vamu jali ó Lerruá Merrlan comprá umas madeiritas e uns preguitos e fajemos umas!
- Ó Ruca, vai majé palitá uj dentes!
- Não fales axim comigo, Ixca! Eu xou o Prínxipe de Jerujalém! E o Prínxipe de Jerujalém não palita uj dentes!
- Prínxipe de quê?! Ó Ruca, vai majé bada meda!
- Groxeiro! És um groxeiro ignorante, Ixca! Não xabes xequer onde é Jerujalém, nem o que xão números primos, nem uj indicativos telefónicos da rede fixa, nem os títulos dos filmes todos do Jeimeje Bond, nem os nomes dos xete anões, nem os dos xantos padroeiros, nem o que é o depójito legal, nem o que xignificam os xímbolos da lavagem de roupa: branquear com cloro ou xem cloro? Paxar a ferro morno ou a ferro quente? Xecar com xentrifugaxão baixa ou xentrifugaxão alta? Lavar a xeco com qualquer xolvente ou triclorotileno? És um Xaloio ignorante! Não xabes xequer quem foi Luís XV, nem o que é o estilo Rococó!
- Rococó é o que tu tens nuj dentes, Ruca!
- Não digas ixo, Ixca, qu’eu fico xenxibilijado! Tenho uns dentes axim tão ornamentadinhos, ‘migo?
- O que é que tu estás praí a dijê, Ruca? Não ias ao Lerruá Merrlan, Ruca? Não ias lá comprá umas madeiritas e uns preguitos para fajermos uma jonditas, Ruca?
- Poi jia, Ixca!
- Atão vai, Ruca! E, já agora, aproveita e traz também uma lata de “Pica” para distribuirmos pelo pexoal do blogue, a ver xisto anima!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

o surf depois?

A Rainha de Inglaterra fez história esta semana ao registar-se no Facebook, partilhando a partir de agora com o mundo global as peculiaridades da sua vida privada.
Até aqui, tudo bem. Se até os cães e as prostitutas estão no Facebook, porque é que uma rainha não pode estar? Só é preciso garantir que ninguém se tornará amigo dela, para não assistirmos à vulgarização do seu real perfil, pois não é qualquer indivíduo que tem gabarito para entrar num eu-cá-tu-lá com uma pessoa que se farta de trabalhar para conseguir sustentar as suas necessidades básicas, como a calafetagem das portas e das janelas de Buckingham, que representa anualmente 1 milhão de libras...
Mas o mais interessante de tudo isto é verificarmos que a monarca, para além de confessar a utilização do famoso papel higiénico preto da Renova em todas as 333 casas-de-banho do Palácio, decide reforçar a sua postura de modernaça com a revelação de que, depois do criquete, o desporto que mais aprecia é o surf!
Aparentemente, devíamos ficar todos babados com esta afirmação de Isabel II, já que, dela, sai inevitavelmente reforçada a popularidade do surf. A questão é que, bem vistas as coisas, a revelação da Rainha é um grave insulto a todo e qualquer surfista que se preze e, só por isso, deveria ser presa! “Depois do criquete”???!!! Repito: "Depois do criquete"???!!! Olhem que porra! Só faltava vir também o Obama dizer que, apesar de ter nascido no Havai e de gostar muito de ondinhas, e tal, não consegue gostar menos de futebol americano!... For fuck’s sake!

Foto: razonandodesvarios.blogspot.com

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

mudam-se os tempos...

- Estou farto de caminhar, Xenhor! E estou esfomeado, Xenhor! E já não vejo nem oixo nada a não xer a minha pobre barriga, Xenhor!
- Sempre a barriga, Sancho! Em vez de escutares a tua pobre barriga, faz como eu: escuta o apelo do ideal!
- O “Apelo do ideal” nunca escutei, Xenhor. Mas escuto, às vezes, na M80, “O Ideal Xoxial”, do filho do major Valentim Loureiro. “Dá-me o ideal, o i-de-a-a-al...”
- Cala-te, Sancho. Que desafinação! És pior que o Zé Cabra!
- Voxa Xenhoria não xe refira nexes termos injuriosos à minha pexoa! Xou o fiel escudeiro de Voxa Xenhoria e nunca deixei Voxa Xenhoria ficar mal! Ainda na xemana paxada xalvei da morte Voxa Xenhoria, em Almada, quando Voxa Xenhoria xe lembrou de xe atirar do ximo do Cristo-Rei!
- Era uma vaga enorme, Sancho! Maior do que as maiores de Waimea Bay! Porque me impediste de a enfrentar com o meu Rocinante de 9 pés?
- Xeria um xuixídio, xenhor! Um acto inxano!
- Não te atrevas a maldizer os actos heróicos do engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha! E, para a próxima, não te armes em forcado da Moita! Quando lá voltarmos, pega mas é na máquina fotográfica e regista tudo, para difundires no Cantinho da Onda o drop do século!
- No Cantinho da Onda? Nem penxar, Xenhor!
- Então?
- Sejamos realistas, Xenhor: aquilo é pior do que os romanxes de cavalaria! Está definitivamente ultrapaxado! Xe Voxa Xenhoria quer mostrar-xe ao Mundo, é no “Feixebook”!
- Feixe quê, Sancho?
- "Feixebook", Xenhor! O Camões, o Sérgio Isca, o Fernando Pexoa, o David Caetano, o Marco Polo, o Pikas, o Cristóvão Colombo, a Pek, o José Xaramago, a Raquel, o Peter Pan, o Pata, o Rato Mickey, o Alberto Carvalho, o Cavaco Xilva, o Alex, o Harry Potter, o Rui Lopes, o Maradona, o Miguel Pataias, a Cleópatra, o Kim Moura, o Noddy, o Xaraiva, a Amália Rodrigues, etc., mudaram-xe todos para lá!
- E nós, meu fiel escudeiro, estamos à espera de quê?
- Voxa Xenhoria não xe apoquente, que eu vou já tratar de tudo! Xó tenho rexeio que, como Voxa Xenhoria já tem mais de 400 anos, ninguém vá reconhexê-lo...
- Achas possível, Sancho?
- Acho, Xenhor. Mas uma coisa lhe garanto: num instantinho, arranjará Voxa Xenhoria 400 amigos, prontos a comentarem todos os dias os xeus drops heróicos lá de xima do Cristo Rei!...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

cosa nostra

O conhecido bandarilheiro aquático Alexandrito de Portugal vai estar brevemente em Peniche para tomar parte na corrida de beneficência em favor da família do polvo Paul, recém falecido em Oberhausen, na Alemanha.
«O Paul era um polvo muito apreciado cá na terra», referiu Alexandrito, em declarações exlusivas ao nosso blogue, enquanto enxaguava uma lágrima. «Deixou mulher e um filho, ali para os lados da Papoa. Não é para me estar a armar em Brigitte Bardot, ou assim, mas temos o dever de nos solidarizar com a família do bicho e, sobretudo, proporcionar ao polvinho órfão um futuro digno. No próximo ano, por exemplo, podemos pô-lo a adivinhar os resultados do Rip Curl Pro Search», sugeriu.
Uma hipótese, ao que parece, pouco provável, pois, segundo pudemos apurar junto de fonte próxima do presidente da câmara, a Assembleia da República está já a negociar com a capitania de Peniche a aquisição do molusco, a fim de o transferir para o aquário de S. Bento, onde deverá substituir futuramente, em todas as matérias escrutinadas, os deputados faltosos.
Nas palavras dum ilustre politólogo, a quem perguntámos a opinião sobre esta ideia, «os portugueses têm muito que se orgulhar, pois passarão a ser governados por um polvo verdadeiro!»

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

a trompa e o fagote

- Olá, Albertino! Tudo bem?
- Não, Lopes, tudo mal!
- Pois... Népia de ondas!...
- Não é isso, pá! Acabei de saber que Portugal é o nono país mais pobre da União Europeia! Sabes que hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza?
- ‘Tás a brincar ou quê, pá?!
- Não, não estou, pá! Como é que um gajo como tu pode andar tranquilamente a fazer balé nesse barquinho a remo, com o país nesta desgraça?
- Mas que visão microcósmica, pá! Desgraça é o Liu Xiaobo ter sido nomeado Nobel da Paz e os chinocas manterem-no encarcerado, isso é que é uma desgraça!
- Liu quem?
- Ah, não sabes?! Francamente, Albertino! Vê lá se começas a ler a rúbrica internacional! Já agora, também estás contra a aprovação do Orçamento do Estado?
- Quero que se lixe o Orçamento do Estado, meu!
- Ah, queres que se lixe o Orçamento do Estado?! Mas vens apregoar a moral por causa de sermos o país mais pobre da União Europeia, não é? E continuas a comprar pranchinhas desse tamanho e a fazer o teu surfezinho burguês, não é Albertino?
- Os gajos do governo também jogam golfe ao domingo, enquanto as mulheres deles queimam no casino os teus descontos dum ano mais depressa do que um daqueles cigarros fininhos que estão na moda!...
- Mau feitio! Se fosses um instrumento de orquestra eras uma tuba, Albertino, ou então uma trompa!
- Antes trompa que fagote de segunda, que é o que tu és, Lopes! Julgas-te muito esperto mas não passas dum ignorante! Olha, como dizia o Newton: o que sabemos é uma gota e o que ignoramos um oceano!
- Ai, sim?! Então, adeus, Albertino. Vai mas é para casa coser meias e erradicar a pobreza, que eu vou continuar por aqui a fazer balé na ignorância!...

sábado, 16 de outubro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

o dia em que me cruzei com o taylor knox

Confesso que nunca fui um adepto indefectível do surf de competição, daqueles que andam atrás dos campeonatos e conhecem tudo: os nomes dos astros, as pranchas que usam, as manobras que fazem, os peidos que dão, etc.
Não é que veja nisso algum mal, mas não troco o tempo que tenho para surfar pelo tempo que me ocupa ver os outros fazê-lo. Por isso mesmo, não assisti, no ano passado, a uma única sessão do “World Tour” em Peniche.
Este ano, porém, logo no dia do primeiro “round”, optei por marcar presença com o meu filho nos Supertubos, para lhe saciar a curiosidade e perceber até que ponto o Tiago Pires era capaz de mobilizar mais facilmente que o Cristiano Ronaldo a atenção duma criança de cinco anos.
Chegámos cedo. Chuva para aqui, chuva para acolá; ondas assim, ondas assado; e fomos dar, a páginas tantas, com um gajo suspeito, de cicatriz no rosto, a ser molestado por um repórter televisivo. Puxei da máquina fotográfica e procurei um buraco entre as cabeças que se apinhavam. Era o americano Taylor Knox (em português, Talher Inox), com o seu terrível rosto duro, pior que o do Rambo ou o dum vilão do faroeste.
“O que é que está a acontecer, pai?”.
Depois de lhe ter respondido que estavam a fazer uma entrevista àquele senhor, e de o miúdo me ter perguntado o que era uma entrevista, e de eu não lhe ter conseguido explicar satisfatoriamente o que uma entrevista era, fomos abancar na praia entre o chapéu de chuva dumas miúdas catitas e um tipo com cara de D. Duarte de Bragança, que tinha consigo um par de binóculos, três filhos e um cão.
Apostei que nenhum deles sabia quem eram, naquele momento, os protagonistas do “man-on-man”. Eu também não. Muito menos o meu pequeno companheiro, coitado, que nem sequer podia distinguir, naquele mar castanho, raiado de espuma e luz solar, um elefante que lá houvesse, quanto mais um homem de quem só sobrava pouco mais do que a cabeça.
Acabou, pois claro, por se entreter a enterrar na areia, com uns pauzinhos, o seu interesse pelo campeonato.
Eu cá armei-me em japonês, apontando a máquina para tudo o que mexia, embora deva penosamente lamentar terem-se-me acabado as pilhas no preciso instante em que me preparava para apanhar a Pimpinha e a Xuxinha e a Martinha a comerem Magnuns à borla dentro da tenda da TMN, que nem lontras; e o pior de tudo foi ter falhado o Yannick Djaló a pedir autógrafos ao Taj Burrow, enquanto a boa da Floribela, ali ao lado, ajeitava, fotográfica, a calça justa de algodão que se lhe enfiava teimosamente pelo cu adentro.

no comment


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Alô, Alô...


- Listen very carefully, I shall say this only once... Get out of the way!!!
- Hum???
- Sim, caso não tenhas percebido, tenho prioridade!
- Mas eu....
- Mau... Olha lá: a minha prancha é maior, vou BEM mais rápido que tu, e caso não tenhas percebido, tenho um paddle na mão...
- Ok, ok, eu saio!!! $%#$%&
- Maçaricos... humpf!


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

entre dois mundos

Era uma vez um nadador-salvador que salvava vidas entre duas praias: a praia de cima e a praia de baixo. Um dia, quando chegou ao trabalho, encontrou um menino que lhe perguntou porque é que os nadadores-salvadores eram tão grandes e fortes.
- Eu explico-te – prometeu ao menino o nadador-salvador – mas primeiro tens de me ajudar a montar o posto de vigia.
Selado o acordo, o nadador-salvador entregou ao menino uma bóia branca e uma corda cor-de-laranja.
- Levas-me isto, por favor?
Depois de ter dado meia dúzia de passos, o menino queixou-se:
- Esta bóia é mais pesada do que o pneu com que costumo brincar lá na escola!
O nadador-salvador sorriu e disse:
- Percebes agora por que razão tem o nadador-salvador de ser grande e forte?
Depois de o nadador-salvador içar no mastro a bandeira amarela, o menino perguntou:
- Essa bóia gigante serve para salvar o Mundo? Já ouvi dizer ao meu pai que o Mundo se está a afundar!
- Infelizmente, tenho de concordar com o teu pai! – admitiu o nadador-salvador.
- Deixa lá – continuou o menino –, se um dia o Mundo se afundar, o meu pai vai comprar um escadote grande e nós vamos viver para a lua. Se tu quiseres, também podes vir connosco e salvar vidas nas praias de lá.
Enquanto o menino cogitava na hipótese de conhecer um dia os mares da lua, o nadador-salvador enterrou na areia uma placa delimitadora e explicou ao menino que a razão de o Mundo estar a afundar-se era a desigualdade:
- Quando eu era criança – evocou ele – aprendi com o meu avô que existem dois mundos: o mundo dos ricos e o mundo dos pobres.
- E qual é a diferença entre os dois? – quis saber o menino.
- O mundo dos pobres é como a praia de baixo, onde a bandeira está sempre vermelha. O mundo dos ricos é como a praia de cima, onde está sempre verde – esclareceu amistosamente o nadador-salvador.
Naquele instante, o menino olhou de novo para o cimo do mastro e questionou:
- Então, a que mundo pertence a praia do meio?
- Desde que estalou a crise mundial, não pertence a nenhum – revelou o nadador-salvador –, é por isso que está sempre vazia. Todos sucumbiram por terem ignorado os perigos da bandeira amarela.
O menino coçou a testa e decidiu:
- Vou-me embora. Pode ser que o meu pai queira ir já à loja comprar o escadote!
- Adeus e obrigado pela ajuda! – gritou o nadador-salvador, enquanto o menino se afastava.
E foi fazer a sua ronda na praia de baixo, remoendo para si que, para aqueles lados, infelizmente, havia sempre alguém a afogar-se...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O filminho

Para além das fotos foram também apanhados na Handycam.
Um pouco à pressa mas é com prazer que os ponho no mundo do Surf.

Até sábado.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

apologia do surf

- Sabes, Maria, tenho a sensação de que ainda vai chover hoje!
- Cala-te, Manel! Deixei as cordas cheias de roupa!
- Por falar nisso, que detergente é que usas? Ultimamente, as cuecas cheiram tão bem!
- Foi desde que mudei para o Surf.
- Ah, pois. Parece que, hoje em dia, toda a gente aderiu ao Surf. Até já existem escolas e tudo!
- Não sei para quê! Aquilo é só juntar duas tampas, carregar no botão e pronto, já está!
- Foi uma grande invenção, realmente!...
- Claro que sim! O Surf é um sucesso! Ou melhor: uma verdadeira máquina de fazer dinheiro! Vê bem que, agora, até já há o Surf flores tropicais & ylang ylang! E limpa tão bem que já não tenho vergonha de te ver usar peúgas brancas com as sapatilhas.
- Sim, na verdade, nunca mais cheirei a cholé! Vê bem que, hoje de manhã, quando fui à padaria, até vi a chinesa da loja Ling Chung a sair do supermercado com o Surf na mão...
- De que cor era esse Surf?
- Cor-de-rosa.
- Pois... Era o de lavanda e flores orientais. Cá para mim, já devem andar com ideias de piratearem o Surf, esses malditos chineses!...
- Foi o que me disse o nosso neto Carlitos, que estava comigo na altura. Mas ele é da opinião de que, como o Surf é uma marca registada, os chinocas vão contrafazer o produto e dar-lhe outro nome: Bodyboard!
- Até pode ser que sim. Mas duma coisa tenho a certeza: nunca conseguirão reproduzir as sensações do verdadeiro Surf!

domingo, 19 de setembro de 2010

surfada da manhã

Foi depois de alguns telefonemas que me fiz à estrada a caminho do Baleal.
A razão era, tão somente, a impaciência de alguns surfistas para ficarem no registo da pequena máquina.
Uma boa manhã, em que não faltaram as mais altas individualidades da Cidade de Peniche (presidente da câmara) junto do responsável do blogue.
Foi com agrado que vi mais uma vez a Té na limpeza da praia (terá sido por isso a aproximação do chefe máximo, no sentido de "queres emprego ?").
Aqui ficam algumas dos nossos amigos.
1 abraço.










quinta-feira, 16 de setembro de 2010

bye, rusty!

De tantas vezes que entramos no blogue, já nem nos damos ao trabalho de fixar os olhos nos conteúdos mais estáticos, nomeadamente alguns dos que se encontram na coluna à direita, como o “cantinho do cão”, onde os nossos amigos de quatro patas parecem ter cristalizado há mais de um século.
Na parte que me toca, tenho olhado mais para lá nas últimas semanas do que em todo o tempo restante, desde que o blogue nasceu.
Infelizmente, encontro agora mais uma razão para o fazer, já que o bom do Rusty acabou de juntar-se à eterna viagem do vizinho Pompeu.
Na minha memória, perdurará a foto com o colar havaiano, o seu focinho bonacheirão e as rabias que me fez numa certa altura em que lhe dei a ração, na ausência dos donos, há cerca de um ano atrás. O Rusty era mesmo muito catita, e eu imagino, com uma tremenda cumplicidade, o doloroso close out que se terá abatido nos corações do Rui e da Cláudia.
Para eles, aquele abraço solidário!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

quero fotografar-te nua!

“Noseriding gives you a perfect sensation of weightlessness. It reminds me of how a bird rides the back draft of the wind, gliding”.
Depois de ter lido estas palavras da longboarder australiana Belinda Baggs e de a ter descoberto numa soberba fotografia em que parece querer demonstrar aquela mesma afirmação, caiu-se comigo uma vontade doida de ir passear com ela para o Sri Lanka e recitar-lhe poemas.
Bindy, nome por que também é conhecida, possui uma aura admirável, destoando largamente da surfergirl estereotipada, tal como destoa largamente uma pomba duma arara.
O surfista e fotógrafo Dane Peterson teve a sorte de se cruzar com ela e transformar-se no seu albatroz inseparável. Arrisco-me a adivinhar-lhes um serão caseiro, depois de mil noses em pose etérea e graciosa terem entrado pela retina do afortunado Peterson. Limpando meticulosamente as teleobjectivas, enquanto Belinda lhe prepara uma omelete à James Oliver, ele não se contém:
- Quero fotografar-te nua!
Bindy queima-se na frigideira e deixa sair um “fo*@-se”.
Dane larga imediatamente o equipamento fotográfico e corre para Bindy, que chupa o dedo indicador.
- Magoaste-te, querida?
Ela olha-o de esguelha, atirando-lhe com desdém forçado:
- Andas a trabalhar para o Cantinho da Onda?!
- Deixa-te disso, ‘môr!
- Eu sei que eles te pediram uma fotografia minha...
- ... Dei-lhes aquela da Patagónia.
- Vê lá o que fazem com ela! Têem por lá um gajo que costuma inventar umas histórias!...

como uma pluma

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ondas e preconceitos

Este domingo, fiz uma visita à Praia do Moinho de Baixo. Dito assim, muita gente não sabe que me refiro a uma das mais emblemáticas do país, sobretudo pelas razões que levam muitos adeptos do despudor a frequentá-la. Falo-vos, pois claro, da Praia do Meco.
É preciso referir que a prática do nudismo, ou naturismo (de acordo com os mais puristas), ali se faz desde que o 25 de Abril começou a despir de preconceitos a sociedade portuguesa. Portanto, quem, indo lá, ainda se deixa ferir pela indiscrição da coisa, tem sempre a possibilidade de se fixar na zona central da praia (na imagem, para lá do rochedo), imediatamente a norte da área onde mora o pessoal em pêlo; ou, em última análise, optar por qualquer uma das outras mil praias da nossa extensa costa, essas sim, tradicionalmente habitadas pela tribo do têxtil.
Quanto a mim, só uma ocasião de circunstância, como foi o caso, me podia arrastar para aquelas paragens. Não porque me afectem as melancias ao léu ou os pirilaus, mas porque o meu (pre)conceito de praia está irremediavelmente contaminado pela minha condição de surfista.
Como já conhecia o Meco desde miúdo - os meus pais frequentaram durante muitos anos o local -, sabia bem que a possibilidade de surfar lá era diminuta, devido ao declive do areal no ponto de contacto com o mar, o que provoca uma rebentação estupidamente tardia e, por isso mesmo, inútil.
Apesar de tudo, não deixei de alimentar uma remota esperança, tendo mesmo transportado o belo do fato na bagageira, não fosse o diabo tecê-las - nesse caso, havia de encontrar alguém que me emprestasse uma prancha para salvar o dia.
Ao chegar, porém, caíram por terra as expectativas. A ondulação, mesmo sem vento a apoquentá-la, comportava-se exactamente como o previsto. Ainda assim, e porque estávamos na baixa-mar, não deixei de comer com os olhos alguns sets que rebentavam esporadicamente mais atrás. Com um pouco de astúcia, seria possível, pelo menos, dropá-los, executar um bottom e sair em seguida, antes do “côco” apocalíptico na areia, onde os poucos banhistas que ousavam molhar-se lutavam para não serem tratados como peças de roupa na máquina de lavar.
Perante este cenário, lá tive de fazer um esforço para estender a toalha, onde me sentei melancólico e pensativo, limitando-me a comprovar o meu preconceito com a praia, que só faz efectivamente sentido a cheirar a wax e bem vestida de ondas...
Foto: Vítor Oliveira (feriasemportugal.pt)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

singularidades

1. Animal eléctrico
Trabalho e conhaque não casam. Desde que começou a andar com softboards e NSPs no tejadilho da Opel Combo, nunca mais ninguém o viu numa jantarada ou noutra espécie de serão social. Foi preciso uma caldeirada à moda antiga, cozinhada no lume brando da camping gaz, e o belo do tinto à mistura, para o trazer de volta à boémia nocturna do Baleal. E cheio de vigor, como um idoso acabado de tomar Viagra! Que o digam as moças que afluíram, numa certa madrugada, ao Bar da Praia. Aí, cegaram com os flashes. O palco era dele. Pulando, como um corcel selvagem, sobre as mesas. Arreganhando compridamente a dentadura branca e relinchando. Quem era o animal eléctrico? E as fotos para que revista?

2. Xano
Talvez se lembrem de Rain Man, o filme de 1988 protagonizado por Dustin Hoffman e Tom Cruise, que desvendou ao mundo os meandros do autismo através duma história singular e cativante. Antes de ver na tela as personagens de Raymond e Charlie Babbitt, eu já as conhecia, na pele do meu grande e velho amigo Miguel Ramos e do seu querido irmão Alexandre (Xano). Trouxe-os, em Agosto, ao Baleal. O incrível Xano acompanharia o sobrinho (André, filho do Miguel) na iniciação ao surf. “Fugir-me-ia” com a bicicleta para conhecer Peniche à sua maneira, como se fosse um autocarro urbano. E deixou rasto. Tal como aconteceu com Raymond no grande ecrã, ninguém conseguiu ficar indiferente à sua inocência desconcertante.

3. Como chocolate
Há uns tempos atrás, trouxe-vos a história de Jaylan Amor, um miúdo australiano que, ainda mal deixara as fraldas, já apanhava umas carreirinhas com uma agilidade espantosa. Numa espécie de versão caseira, o mês de Agosto proporcionou-me o especial prazer de partilhar momentos inesquecíveis com alguns Jaylans do nosso “quintal” (Sebastião, Diogo, João, Tomás). O futuro é uma coisa muito incerta e comprida, e deslizar numa onda uma experiência absolutamente concreta e momentânea. Por isso mesmo, não sabemos ao certo se os nossos miúdos irão, como nós, querer repeti-la pela vida fora. Mas desejamos que não percam, pelo menos, a oportunidade de a terem. E, já agora, que lhes saiba deliciosamente, como chocolate...

4. Até sempre, companheiro!
Já não posso pedir-te a patinha nem atirar-te pelo ar uma bola ou um caroço de maçã; assobiar-te na praia enquanto corres como uma chita atrás da última gaivota da tarde; ver-te à janela do nosso hotel de quatro rodas em pose de aviador; confiar-te na boca missionária o jornal de sábado; sentir nos dedos o teu realístico focinho frio, a pedir festas; dar-te um banho de mangueira no seio do inverno alentejano, depois de te espojares alegremente em bosta de vaca; ver-te, melhor que um camaleão, a caçar moscas; arreliar-te com o colar isabelino e a Betadine nas unhas, por causa dum fungo estranho; ouvir-te ladrar aos besouros e aos pombos; ver-te saltar alegremente à minha volta a cada encontro, mesmo depois da mais breve ausência... Até sempre, companheiro!

sábado, 4 de setembro de 2010

A surfada da manhã







Não fosse o André estar na frente teria tirado umas melhores ao Luis e ao Ricardo.
1 abraço amigos.

History of Greed - Vancouver Film School (VFS)

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

adeus amigo

Sim, é com tristeza que escrevo este post, o nosso companheiro de surfadas de fim de semana deixou-nos e partiu para uma surf trip solitária, adeus amigo até um dia destes...





Foto : Surf Trip - Costa Vincentina (Amoreira) 2009

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Quim Moura (O Corvo)


Grande amigo sei que estás fugido do Cantinho por razões profissionais mas encontras-te no coração dos amigos.
1 abraço do Cantinho.

Alberto Reis no Crowd



Gaivota no cantinho olhanho por nós (quem sabe?)









No meio da confusão Alberto Reis passa pelas abertas.

Os nossos amigos em dia de chuva








Apanhados no seu meio (água-pé), Luis Lapas e Alex no seu melhor.
1 abraço amigos.