sexta-feira, 22 de maio de 2009

o puro descontraído

Com as devidas excepções, se há coisa que vinga entre os surfistas das praias urbanas, como os da Linha ou da Caparica, é o sentimento de antipatia em relação ao próximo.
Não te diz bom dia o tipo que chega com uma tábua dentro do carro e estaciona ao teu lado quando estás a vestir-te para ires fazer o mesmo que ele.
Dá-te a volta com ar de fuçanga. Quando remas para o outside, tens o diabo direito a ti, a enterrar um rail à queima-roupa para te lançar no meio dos olhos uma lecada, que é como cuspir-te em cima.
Acabas, pois, por habituar-te, escolhendo uma de duas saídas: seres um puro descontraído ou mais um cão.
Parque automóvel da Caparica, há uns dias atrás:
- Eh pá, então o mar? Dá para fazer umas ou quê?
Sentado ao volante, foi desta forma que se apresentou, com voz despachada e amistoso, enquanto enfiávamos, eu e o Pikas, o neoprene, para um surf-relâmpago em dia de trabalho, no intervalo do almoço.
- Está muito pequeno, mas sempre dá para molhar o fato... – afiançámos-lhe.
Arrumou o carro e puxou da tábua de engomar, de aspecto suis generis, com patilhão e estabilizadores fibrados.
Apesar da idade, que se adivinhava a roçar os entas, lá foi dizendo, num tom de puto bem disposto, que era do Norte.
Surfava Espinho e Cortegaça.
Rumámos à praia, deixanto para trás, ainda a trocar de vestuário, o improvável companheiro.
Depressa o tínhamos pelo pico do Tarquínio, muito interessado em retomar o diálogo, sentado na prancha como se estivesse numa esplanada, matraqueando o que lhe vinha à tola, enquanto os sets não diziam nada.
Que tínhamos de ir surfar no Norte. Que não conhecia as ondas de Peniche. Que isto. Que aquilo.
Elogiaria, após a sessão, o nosso caldo verde.
Trocaríamos, a seu pedido, os números de telefone.
E lá ligou, no dia seguinte, pensando caçar-nos na Caparica a repetir a dose. Mas nicles. Seria melhor pensar num salto até Peniche, onde aterrávamos constantemente aos fins-de-semana.
Soube-o, depois, de regresso ao Norte, na sua vida de marinheiro.
Hoje, coitado, ligou-me de Leça, cascando no mar, que virara piscina:
- Como isto está mau, resolvi perguntar-te se há surf em Peniche!
Lá partilhei que as previsões não eram muito animadoras. Blá, blá, blá e ficou no ar um encontro em breve pelo Cantinho.
O nome dele é Tó.
Um raro e puro descontraído.
Ainda os há, felizmente!...

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