quarta-feira, 20 de maio de 2009

singularidades de uma rapariga loira - no cinquentenário de gidget

Lisboa crescia no subsolo, com a inauguração do metropolitano. Tinham início as prisões políticas em Angola. Do outro lado do Atlântico, estalava, em força, a Revolução Cubana.
Naquela altura, as ambições das mulheres portuguesas da classe média não iam muito além dum moderno aspirador da Miele, que fazia a diferença entre as cunhadas, nos encontros domingueiros, entre chá e biscoitos.
A 10 de Abril, surgia em terras do Tio Sam uma rapariga loira que arrebataria as salas de cinema com as suas verdes singularidades - aventuras frugais, ao nosso olhar de 1959 muito pouco queirosianas, em redor de ondas e pranchas de surf, numa praia catita da Califórnia, que tinha o nome de Malibu.
A história, singela, relata o verão em que a jovem Gidget, apaixonada pela vida, faz 16 anos e aprende a surfar.
Nada que pudesse, está visto, imaginar-se por cá, onde a faixa costeira balançava, então, entre o postal a preto e branco e o cemitério de pescadores.
Encarnada no filme de Paul Wendkos por Sandra Dee, a rapariga loira que dava o nome à fita tornar-se-ia um ícone da cinematografia de surf e daria origem a uma vasta série de produções co-relacionadas, durante as décadas de 1960, 70 e 80, entre cinema, sitcoms e telefilmes. O último trabalho em redor da história foi a sua adaptação ao teatro, em 2007, na peça homónima de Terry McCabe e Marissa Mckown, representada em Chicago.
Mas tudo começara em 1957, quando o escritor norte-americano de origem checa Frederick Kohner lançou no mercado o livro Gidget, The Little Girl With Big Ideas, que se transformaria num best-seller com traduções transversais, desde a Espanha ao Japão.
A ideia, sabe-se, terá nascido quando Kathy, filha adolescente de Kohner, manifestou ao pai o desejo de registar em livro as suas experiências balneares, tendo por móbil o advento do surf.
A reacção surgiu em forma de proposta: «Conta-me as tuas aventuras e eu escrevo-o». Kathy, já então apelidada de Gidget – nome que deriva, por composição, de girl e midget (pessoa de pequena estatura) -, concordou peremptoriamente, tornando-se, assim, em carne e osso, na musa profícua do autor.
Seria o início duma saga que se prolongaria em mais de meia dúzia de livros, sempre com Gidget no centro da acção.
O fenómeno em que resultou a sua transposição para a grande tela fez de Gidget aquilo a que o escritor de surf Craig Stecyk descreveu um dia como “o mais bem sucedido e rodado episódio sobre a explosão da adolescência desde Joana d’Arc”.
Exagerado ou não, o certo é que o filme transformaria a verdadeira Gidget em “rainha da praia californiana”, assim designada pelo escritor e jornalista Deanne Stillman.
E é preciso destacar de Kathy o apelido Kohner (hoje, Zuckerman), de origem hebraica, o que faz ressaltar da mais famosa surfista americana a sua matriz judaica, com raízes na Checoslováquia.
Como nota Stillman num assomo cirúrgico, "o pai de Kathy vestiu a pele do estrangeiro da Europa Central que se deixou seduzir por aqueles que encontraram a liberdade, neste caso proporcionada pelas suas ondas".
E assim, tão só, nascia um mito. E nascia Gidget como surfista, num altura em que, nas águas cálidas de Malibu, desfilavam já figuras lendárias, como Mickey “Da Cat” Dora, The Fencer, Mysto George e Moondoggie, entre outros.
Para ilustrar a importância de Gidget (a verdadeira), há quem destaque um número especial da revista Surfer onde o seu nome é colocado em sétimo lugar numa lista dos 25 mais importantes surfistas do Século.
No filme, é a famosa Sandra Dee que a imortaliza, actriz que viria, desde cedo, a experimentar uma vida recheada de problemas. Revisitada no filme Grease, de 1978, através da canção Look at Me I’m Sandra Dee, morreria em Fevereiro de 2005, com 62 anos, acometida de complicações renais e pneumonia, num hospital de Los Angeles.
Melhor sorte teria Kathy, que, ainda hoje, com 68 anos, vai, sempre que pode, matando saudades de andar na prancha.
Sobre a história que a celebrizou, confessa a Stillman, desconcertante: “Não compreendo o fenómeno Gidget: Eu era apenas uma rapariga que fazia surf”.
Em 2005, em declarações ao Washington Post, chega mesmo a dizer, com uma agudeza maravilhosa: “Havia quem se refugiasse nos Álcoólicos Anónimos ou na Igreja. Eu tinha Malibu”.
Afinal, talvez fosse essa a suprema singularidade daquela pequena rapariga loira do filme de Wendkos, pouco interessada em expiar na Terra ocultos pecados e mais centrada nos prazeres da vida.
Apesar de tudo, Gidget não teve, da população de surfistas locais, o respeito esperado, em face do efeito magnetizante que a fama gerou na sua onda privada, antes do filme já bem concorrida mas muito mais depois dele.
E noutras esferas ressoaria. Em 1979, a banda californiana de punk-rock Suburban Lawns chegou mesmo a ter um hit que parodiava a personagem: Gidget goes to hell. Em 1995, Fred Reiss publicou o romance Gidget must die: A killer surf novel, visando o lado negro da surf culture.
Mas tudo isto, e ainda o facto de a conhecida surfer girl ver actualmente o seu nome a baptizar uma sanduíche que se vende na Califórnia e uma linha de batons, não retira a Gidget o seu lugar na história.
Nem o seu quê de actualidade.
No fim das contas, cinquenta anos após a estreia da película, o juízo é igual: descobrir o surf é meter os pés na felicidade.
Disso, entre nós, ninguém tem dúvidas!...


Nota: Para quem quiser adquirir o filme e o livro, é possível encontrar o pack por cerca de 18 euros, na Amazon. No caso do livro, e para os puristas, existe à venda no Ebay um exemplar da primeira edição, por uns modestos 350 dólares!...

1 comentário:

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

Por cá tivemos o "Portugal Radical e os "morangos com açucar"...