terça-feira, 27 de janeiro de 2009

cantinho do baú - god save nick uricchio!

O suado provento duma semana de trabalho, nas férias escolares de 1985, foi quanto me custou aquele “barco” vetusto, comprado a um tal de Serafim, de cabelo à tijela, que eu conhecia lá do liceu, ao Bairro das Colónias.
Um verdadeiro chaço! Que hoje, porém, não hesitaria em pendurar na parede da sala como um Van Gogh ou um Picasso, por ser, afinal, um Nick Uricchio, com a chancela da Lipsticks, precursora histórica da Semente, e por me ter proporcionado a primeira experiência de surf.
No dia seguinte, guerreava já com o bicho nos espumaços de S. João, na tentativa afogueada de lhe pôr os pés em cima como faziam nas revistas os “pros” de nomeada.
A guedelha loura, os ténis Romika e a passagem crónica pelo Rock Rendez-Vous nas matinés de quarta-feira não chegavam, afinal, para fazer de mim um verdadeiro surfista.
Veio depois o inverno, que transformou as romarias ao campo de batalha em autênticas provas de fogo. Ou melhor: de gelo. Fatinho de neoprene nem o cheiro, que era coisa cara para surfista de fim-de-semana.
E sem couraça lá ía, em Dezembro ou Janeiro, desafiar a rebentação. De calçãozinho e com a coragem própria dos dezassete anos, lá ía eu, para desistir daí a uma hora, tipo feijão engelhado e com uma vontade estúpida de bater no Bubas e no Frei Tuck.
No surf também há classes e, naquela altura, o maçarro que havia em mim apenas conseguia despertar na tribo a atenção dos outros maçarros. Automóvel, tá quieto... Éramos, por isso, uma espécie de esquadrão L-123, o cobiçado passe social que nos permitia aterrar na Costa com os nossos queridos “bacalhaus”. Aos sábados e aos domingos. Religiosamente.
Recordo algumas das figuras que me acompanharam nos tempos de então, como o “Murdock”, alcunha que tinha por ser um autêntico doidivanas, com a sua Star Model verde-alface, muito gabada naquela altura; o “Carlos da Carrinha”, dono duma Ford a cair de podre, mas com muito glamour; o Pedro “Chinês” (que o era mesmo), cujo pai tinha um restaurante na avenida por detrás da Praia Nova, com um anexo no terraço onde guardávamos as pranchas; O Zé Carlos Carrilho, colega de escola, com quem surfei desde o início... (a todos eles perdi o rasto...).
A quem, também, devo esta herança é ao Vítor “Tubos”, meu vizinho e amigo de infância, um bocado maluco, que mandou estampar num fato da mítica Waterline, encomendado por medida, o nome da ingrata namoradinha que terminou com ele uns dias depois... Soube, há uns tempos, que andava em tour pelo país a saltar das pontes. Isso mesmo: mergulho artístico!
Voltando à história: uma Semente um bocado janada, no ano seguinte, e, no outro, uma 6’1’’ australiana, de rails grossos cor-de-rosa e quase sem rocker (comprada ao Carlos da Carrinha, que, por sua vez, a adquirira a um bife em Peniche), fizeram de mim, em apenas um par de anos, um verdadeiro Tom Curren da Caparica. Ou, pelo menos, assim gostava de me imaginar sempre que vencia uma etapa nova, como o primeiro take-off no outside, a primeira onda em backside ou o primeiro drop cavado sem acabar na apneia centrífuga do costume. Era já, afinal, um breve cheirinho do conhecido Only a surfer knows the feeling.
Mas a história havia de conhecer em 1988 uma dura inversão, com a prancha substituída pela G-3 e as ondas verdes da Caparica pelo verde militar (no tempo em que a tropa era morada obrigatória por 16 meses). Sem “dinheiro para cigarros e bilhar”, a consequência foi o adeus, na Feira da Ladra, à minha amiga australiana e à vestimenta em rubatex da Aleeda, que tanto suara para conquistar.
Divórcio longo se seguiu. Nada de corda no tornozelo. Nada de Mr. Zoggs.
Muitos anos depois, um desejo fogoso de recomeçar. Visões frequentes no Baleal, no Molhe e nos Supertubos, onde, então, fazia praia. Quem é que podia aguentar mais tempo deitado na toalha a matar mosquitos e a comer pêssegos?
Assim foi que, no Verão bendito de 2004, ressuscitei na loja/fábrica da Semente. Assinadinha pelo velho Nick, esse Moisés transviado, lá pesquei, novinha em folha e concebida para enferrujados, uma 7’2”, que era para poupar músculo e evitar acidentes, não fosse um aéreo em shortboard espetar comigo nos Farilhões.
Cocaína não era, mas tive no olfacto um verdadeiro nirvana quando lhe desfiz pela primeira vez em cima um bloco de wax. Jurei que agora era para sempre.
Reencontrado o amor antigo, passei então a correr para as vagas como um cristão para a missa!
Por esta nova encarnação, pela amizade de vocês todos, pelo prazer de poder contar-vos esta história, por estar aqui: God save Nick Uricchio!...


FOTOS (ordem descendente):
1) Costa de Caparica, 1987: junto à carrinha do Carlos, a caminho duma sessão na Praia Nova, com a tábua australiana (de cuja marca não me lembro) e o fato Aleeda.
2) Costa de Caparica, 1986: com o Murdock, na paragem de camionetes (junto à Torre das Argolas).
3) Costa de Caparica, 1987: entre o Carlos e o Chinês, curtindo o pôr-do-sol, depois duma surfada na Nova Praia (numa altura em que era permitido levar o veículo para o pontão).
4) Cantinho da Baía, Baleal, 2005: já depois de reencarnado, curtindo a Semente do Nick Uricchio (entretanto "arquivada", como sabem os meus amigos, em prol da Koala 8’0’’ e, mais recentemente, do Lufi 9’1’’ – mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...).

2 comentários:

Anónimo disse...

Ai se um dia as empresas resolvem barrar o acesso à Internet, ai, ai.......Como é que este pessoal finge que está a trabalhar? Isto mais parece um romance do Eça que prosa,e a memória? Porra, como eles se vão lembrar de todos estes acontecimentos e em pormenor. Um dia destes contar-vos-ei a minha experiência quando fui campeão distrital de "Bilhar de Bolso".

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

Outros tempos meu amigo,outros belos tempos, sim porque nós já temos um tempo.
Sim se as empresas barrassem o acesso á net como é que se podiam fazer comentários...