quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

a influência da pesca (e da ti' Raimunda) na história do surf em peniche

Podia ser um simples retrato vintage, ao gosto revivalista dos tempos que correm, e fazer capa no “Almanaque das Férias Grandes antes do 25 de Abril”, ou coisa do género, e morar nos tops das Bertrands e das FNACs. Mas é apenas a fotografia de três amiguinhos de Peniche, todos eles mais velhos que o Kelly Slater, e que naquele dia de 1974 operaram no mundo aquático do Oeste uma revolução histórica. Dos cravos? Não. De rabos de lagartixa, tampas de sanita, cocó de burro e mais não dizemos antes de leres o resto.
Alberto Reis, Alberto Carvalho, e Quim Moura "Corvo". Três testemunhos duma conclusão inédita na historiografia do surf penicheiro: começou tudo com uma cana de pesca, na manhã do mesmo dia em que o ti’ Germano os fotografou com a sua Kodak comprada na América!
O Alberto Carvalho foi quem nos cedeu a relíquia, ainda na sequência do nosso pedido para a história anterior. Ouvimos e registámos, com muito orgulho e sentido de responsabilidade, o que nos contou sobre ela. Depois, fomos ouvir o Reis e o Corvo, não fossem eles reclamar mais tarde o direito ao contraditório...

Alberto Carvalho
Naquele dia, tínhamos pescado uns robalos com a cana do Corvo, que lhe tinha sido oferecida pelo ti’ Valério da Atouguia, como prémio de ele ter passado de classe. Fomos de bicicleta até ao sítio onde é hoje a marina e toca a engodar! O Corvo, como tinha um quintal com buganvílias ao correr dos muros onde se enfiavam as osgas e as lagartixas, tratou logo de abater uma dúzia delas com a raquete de badminton da irmã. Depois, com o canivete do Reis, cortámos-lhes os rabos e enfiámo-los, à vez, no anzol. Tal como esperávamos, o peixe desatou a ferrar! Em pouco mais de uma hora, apanhámos para aí uns cinquenta! Na foto, só já se vê os que sobraram, depois de termos trocado os restantes pelas pranchas de surf duns ingleses esfomeados que tinham aparecido lá num autocarro a cair aos bocados. A partir desse dia, e graças aos robalos, abandonámos o skimming, que já praticávamos havia muito tempo com tampas de sanita, e começámos a fazer surf. Demos, definitivamente, um salto gigantesco na nossa evolução!

Alberto Reis
Já não me lembro muito bem, mas acho que fomos os três, a um sábado, para o Molhe Leste com a cana do Carvalho, que o ti’ Germano de Ferrel lhe tinha oferecido quando ele fez a primeira comunhão, e apanhámos por lá uma cardumada de carapaus, que fomos comer depois para casa do Corvo. A ti’ Arlete alimou-os e foi à taberna do ti’ Lúcio comprar umas gasosas para a malta e depois passámos lá o resto da tarde a dar peidos e a arrotar enquanto víamos o TV Rural, que por acaso nesse dia falou sobre os malefícios da chuva em excesso e mostrou a imagem dum gato a deslizar num regueiro sobre um alguidar de plástico. Foi nesse momento que o Corvo teve a brilhante ideia de arrancar a tampa da sanita à tia Arlete e no dia seguinte fomos os três fazer skimming para os Supertubos. O Carvalho foi o que conseguiu aguentar-se mais tempo em pé. Adquiriu rapidamente uma técnica precisa. Lançava a tampa da sanita a toda a velocidade sobre o refluxo da onda, desatava a correr que nem uma gazela e era ver o Carvalho a saltar-lhe para cima, a fluir todo teso em cima dela, até que a água lhe faltava subitamente por baixo, a gaja encalhava e fazia-o voar. Ah, Carvalho!

Quim Moura "Corvo"
Belos tempos! Só de olhar para a fotografia, dá-me vontade de chorar! Naquela altura, ainda tínhamos todos cabelo! A cana de pesca era do Reis e tinha-a recebido do ti’ Mariano de Geraldes, como recompensa por tê-lo ajudado a construir a sua última traineira, com paus de fósforo. Nesse dia, fomos para o Portinho da Areia e fartámo-nos de apanhar cavalas, com um engodo especial feito pelo Carvalhinho, à base de moscas e cocó de burro. Depois, fomos vendê-las ao refeitório da capitania, e a ti’ Raimunda, que trabalhava lá como cozinheira, fez uns filetes de vinagrete tão bons que a receita espalhou-se num instante e ficou célebre! Ainda hoje vem gente de fora aos restaurantes de Peniche só para comer os famosos “Filetes de Cavala à Ti’ Raimunda”! Mas o melhor da ti’ Raimunda nem foi o "chop-chop"! Foi simplesmente o chop! Ah, pois foi! Eu usava nessa altura a tábua de engomar da ‘nha mãe para surfar no Carreiro de Joanes. Cada vez que fazia uma onda e caía, escortanhava-me todo nas rochas e demorava bué a recuperar a tábua porque naquela altura ainda não havia chops em Portugal. A ti’ Raimunda, que costumava passar por ali todos os dias a caminho do trabalho e já conhecia o meu calvário, teve misericórdia de mim e, em certa ocasião, trouxe-me um saquinho de plástico com uma coisa lá dentro e disse-me: «Toma lá, Corvinho. É só fazeres um buraquinho e dares um nó». Era um tubo de clister!...

2 comentários:

Alberto Carvalho disse...

Como podem verificar a historia só pode ser verdadeira,contada por tres pessoas e em jeito de acariação ao fim de tantos anos foi contada da mesma forma e com os mesmos promenores por todos, é caso para dizer que a memoria não nos traiu.

kimmoura1@hotmail.com disse...

á que saudades de surfar sem cromos dentro dágua. enfim é a bida.