sábado, 14 de fevereiro de 2009

lendas do surf - gerry lopez

Bem pode dizer-se que um manancial de livros poderia ser escrito sobre Gerry Lopez. Se quiséssemos retratá-lo em poucas palavras, bastaria dizer que fundou a sua reputação em Pipeline, onde surfou como ninguém, antes e depois dele.

“E quando todos esperavam o pior, ei-lo cuspido pela boca da grande caverna. Obliterantes, mil máquinas fotográficas apoderaram-se dele. Pareciam chuva em telhados de zinco”.
Tenho inculcada de Gerry Lopez esta imagem distante, colhida há uns bons vinte anos na leitura de um artigo sobre os astros de Pipeline.
Com um estilo singular e uma abordagem das ondas muito mental, Gerry criou em seu redor uma aura de deus do surf, admirado um pouco por todo o Mundo.
Nascido em Honolulu, a 7 de Novembro de 1948, cedo despertou para a prática do surf. Aos 14 anos, venceu o campeonato juvenil do Havai. E, desde então, muitos êxitos somaria, até à máxima consagração, em 1972, como Master of Pipeline – prémio que repetiria no ano seguinte.
Para aí chegar, muito contribuiu o inverno épico de 1969-70. Gerry inaugurava, então, o tubo em Pipe’, escrevendo assim uma importante página na história do surf.
Nos tempos de estudante, tinha por ídolo Paul Strauch, cujo estilo e graça seriam sempre o seu ponto de referência. Chegaria à Universidade do Havai em 1967, para estudar arquitectura, mas, ao fim de dois anos, abandonaria os livros para se dedicar inteiramente ao edifício das ondas, tornando-se um verdadeiro “new age surfer”.
A revolução da shortboard e a geração hyppie encontraram nele o fiel arquétipo. Incursões pelo mundo do yoga, da meditação e do psicadelismo tornaram-se comuns no seu quotidiano, numa altura em que começaria a shapar pranchas, sob a supervisão de Chris Green.
Em 1971, fundou com Jack Shipley a Lightning Bolt, marca que pretendia representar o surf havaiano. Durante os anos setenta, todos os surfistas de nomeada experimentam no North Shore as pranchas “Relâmpago”.
Mas Lopez viria mais tarde a trocar o Havai por Bend, no Oregon, e o surf pelo snowboard.
Uma mudança quase forçada, que já se vai explicar, e que em certa ocasião o fez reconhecer: «Quando vivia no Havai, as minhas necessidades eram básicas e os meus interesses limitados: mantinha-me actualizado sobre as previsões, deslocava-me aos melhores sítios e surfava as melhores ondas. E sentia-me feliz assim. O modo de vida havaiano é pouco exigente: um par de calções, uma t-shirt, papaias, bananas, arroz e peixe.»

Novos rumos
Apesar do idíllio, em 2001, Gerry deixou mesmo o Havai e mudou-se com a sua família e o seu negócio para o Oregon, onde actualmente continua a shapar e pode ser visto a fazer snowboard e ski aquático.
Tudo começara 1989, altura em que o gigante de Pipe’ descobriu os encantos da neve: «encontrei nela um novo mundo. Descobri que aquele tecido branco provém do mesmo fenómeno atmosférico que gera as entusiasmantes condições de mar havaianas.»
Mas o cerne desta mudança foi mesmo o ingresso do seu filho, Alex, na universidade. Este novo ambiente transformaria também a sua vida profissional. Para fazer face ao frio do Oregon, o antigo surfista descobriu no Capilene o associado eficaz, interessando-se pelo facto de este material, depois de usado, ser reciclado pela própria marca que o produzia, a Patagónia. O resultado foi a sua incorporação na empresa, onde exerce as funções de embaixador.
A construção de pranchas, actividade que faz questão de manter, ocupa-lhe o restante tempo: «É algo que já faço há quarenta anos, uma arte em que posso dar asas à minha criatividade e que me continua a proporcionar muita diversão».
Embora o surf desempenhe ainda um papel importante na sua vida, Lopez afirma: «Estou feliz com toda esta mudança».
Outra actividade a que aderiu recentemente foi o paddle surfing: «apaixonei-me por esta variante do surf e, sempre que tenho oportunidade, faço uma perninha».
Entre tudo aquilo em que se vai empenhando, Lopez ainda guarda espaço para causas nobres. A sua mais recente aventura, que, diz, «não trocaria por nada», tem sido a angariação de fundos para o tratamento do autismo, tendo, com esse fim, participado, nos últimos dois anos, no circuito de stand-up paddleboard à volta de Manhattan.
A esposa e o filho partilham com ele a paixão do snowboard. Nos verões, que são curtos, fazem campismo junto às praias, lagos e rios do Oregon, cujo esplendor Gerry não pára de elogiar.
Apesar de semi afastado das lides do surf, faz questão de frisar: «O surf é e será sempre a razão de muitas coisas que faço na vida». E, como qualquer surfista, afirma não conseguir imaginar o dia em que não poderá surfar, pois não esconde: «Continuo apaixonado como sempre estive – é a natureza do surf. E soube, desde cedo, que ia ser sempre assim».

Waves keep coming
Há anos que Lopez não surfa Pipeline. «Cheio de crowd», diz, para se justificar. «As experiências que lá vivi em jovem foram excelentes, mas cheguei à conclusão de que havia uma perspectiva para apreciar Pipeline ainda melhor: sentado na praia».
Levado a comparar o surf de hoje com o do seu tempo, Gerry reconhece que, «desde há muito, o surf tem vindo a sofrer uma evolução técnica profunda e os jovens surfistas de hoje apresentam uma preparação que a minha geração não tinha.» E reforça, com uma humildade desconcertante: «Há, até, raparigas que surfam melhor do que eu jamais sonhei surfar».
Sobre a crescente industrialização do surf, revela: «Quando eu comecei, a única indústria que havia era a dos tipos que construiam pranchas. Não havia, por exemplo, uma indústria de vestuário como há hoje. Nenhum de nós fazia a menor ideia do que estava para vir. O surf era um desporto obscuro, que só encontrava adeptos em marados como nós. À medida que foi ganhando mais adeptos, a única coisa que nos ocorria era que isso significava menos ondas para nós».
Este pensamento levou Lopez a consagrar-se como explorador noutras paragens, cabendo-lhe a descoberta de spots lendários, no Bali e noutros locais da Indonésia, que ainda hoje vai incluindo nas suas surf trips.
“Anoher wave is always coming” é uma máxima de Lopez que se adapta tão bem ao mar como à vida. Mas consciente dos problemas ambientais que a humanidade vive nos dias de hoje, alerta: «Poderá chegar o dia em que não haverá mais ondas – isso seria uma grande tragédia para os nossos filhos».
E aponta o dedo à sociedade de consumo: «Grande parte das pessoas vive hoje em dia sob o lema ‘usa, abusa, deita fora e compra novo’. É responsabilidade de todos inverter esta mentalidade».
Vale a pena pensar nisto.


Fotos (ordem descendente):
1) Captado pela 'câmera de bordo', para a Surfer Magazine, 1976.
2) (Sentado) com a trupe, no dealbar de 70’, na companhia das suas Lightning Bolt (foto de Dan Merkel).
3) Com o seu cão, Jack, na Surf Shop que tem em Bend, no Oregon (fonte: latimes.com).
4) Nas ilhas Metaway, entubando para o filme “Riding Giants” (fonte: patagonia.com).
5) Drop em Pipe', com uma Lightning Bolt (foto de Dan Merkel).
6) De novo em Pipe', num bottom descontraído (foto de Brian Bielmann).

Nota
Declarações de G. Lopez citadas e traduzidas de:
1) edição online do Los Angeles Times, “Surfing still shapes life of landlocked Gerry Lopez”, por Jerry Crowe, 22/12/2008;
2) edição online da Surfer Magazine, vol 45, #9, entrevista, por Chris Mauro, Julho 2008.

Fontes
Imdb.com
Patagonia.com
Latimes.com
Surfmag.com
Surfline.com
Hsssurf.com

Curiosidades
Surf is where you find it é o título do livro que Gerry Lopez publicou em 2008, e que reúne um conjunto de pequenas histórias em redor do surf.
Em 2002, foi distinguido como “shaper of the year”.
Em Julho de 1999, foi galardoado com o prémio Waterman of the Year, pela Surf Industry Manufacturers Association (SIMA), como reconhecimento pelo seu empenho na defesa dos oceanos e na preservação da sua envolvente ambiental.
Entre 1993 e 1997, o Pipe Masters realizou-se sob a designação de Chiemsee Gerry Lopez Pipeline Masters.
Gerry participou em mais de uma vintena de filmes e documentários, com destaque para o seu desempenho no clássico “Big Wednesday” (de John Milius, 1978) e a co-participação com Arnold Swarzneger em “Conan – O Bárbaro” (1982).


Umas do "Rei" (início), ao som dos míticos Led Zeppelin:

3 comentários:

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

O Grande Mr. Pipeline, até já esteve em Peniche.

Priscila Mello disse...

Sabe me dizer se tem a versão traduzida aqui no Brasil?

Lapas disse...

Priscilla,

Lamento, mas desconheço se existe alguma versão em língua portuguesa. Pelo menos, aqui em Portugal, posso dizer que não.