sexta-feira, 9 de julho de 2010

novas oportunidades

Quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, Joaquim respondia duplamente: «quero ser músico e dançarino!».
Nem uma coisa nem outra.
Joaquim ingressou no escritório duma empresa privada quando lhe nasceram os primeiros pelos da barba. Começou por fazer recados simples e transformou-se, com o tempo, num dedicado contabilista. Sentou-se durante quarenta anos na mesma cadeira e lambeu o dedo indicador um milhão de vezes, até ao dia em que o chamaram ao gabinete da administração e lhe fizeram as contas.
Crise económica para aqui, crise económica para acolá, você foi sempre um óptimo funcionário, e tal, mas as dívidas aos fornecedores e a escalada do I.V.A. não nos deixam alternativa. Boa sorte, Joaquim!
No dia seguinte, o nosso Joaquim tirou uma senha no Instituto do Emprego para comer tremoços durante um ano e fazer palavras cruzadas. Até ao dia em que tomou conhecimento de que o seu dentista tinha abraçado o ofício depois de deixar a pastelaria onde trabalhara durante mais de vinte anos! Feita por ele, a prótese dentária que Joaquim usava desde o último Natal tinha a chancela do Programa Novas Oportunidades. Ora, se o doutor Bastos tinha conseguido trocar as bicas e as bolas de berlim pela bata branca, por que não haveria o nosso Joaquim de conseguir no futuro a carreira artística com que sempre sonhara? A visão catastrofista com que saíra da Teixeira & Gomes naquele dia fatídico era uma névoa que morria agora benevolamente debaixo do sol.
Joaquim penteou-se muito bem penteado e correu para as Novas Oportunidades, orgulhoso, como o doutor Bastos, por contribuir para a recuperação do atraso português em relação aos países da União Europeia e da OCDE. «Eu, Joaquim Jesus da Conceição, aluno de música e de dança do Conservatório Nacional!», pensou, inchado, enquanto ajeitava os colarinhos e aguardava ansiosamente a sua vez. Mas, apesar de saber dançar tão bem como o Baryshnikov e de tocar marimbas e berimbau, Joaquim esbarrou no numerus clausus. A senhora da secretaria das Novas Oportunidades confortou-o com a ideia de que os artistas eram todos homossexuais e dependentes da cocaína, e aconselhou-lhe um curso digno, com garantia de emprego e impacto directo nas listas oficiais do Instituto Nacional de Estatística.
- Eu, instrutor de surf? – Espantou-se Joaquim.
- Vai ver que não se arrepende! Pelo menos, não dá trabalho nenhum!
Joaquim fez o curso.
Foi colocado na Escola de Surf do Rio Zêzere, onde aguarda todos os dias pacientemente pelos alunos que não tem.

Fonte da imagem: South Coast Alaia & Bellyboard Society

1 comentário:

Anónimo disse...

ao menos o Joaquim faz surf todos os dias,mesmo no Zézere. e depois há aqueles que chupam no........ e só surfam ao fin-de-semana no bidé com montes de cagalhões a boiar.