segunda-feira, 19 de julho de 2010

no rasto de Sibel

Há dias, enquanto remexia numas coisas velhas, daquelas que se costumam guardar nos báus dos sotãos, tropecei num álbum de selos de cuja existência já nem me lembrava. Rapidamente me veio à memória o dia do meu 14º. aniversário, em que recebi como presente da minha mãe, a pedido meu, o dito objecto. Não sei o que me terá, alguma vez, passado pela cabeça para coleccionar selos. Talvez porque, então, todos os jovens de 14 anos tinham obrigatoriamente de coleccionar qualquer coisa, sob pena de não serem considerados normais.
Ao folheá-lo, fui surprendido, entre as estampilhas turcas, com a fotografia de Sibel, uma bifa incomum que conheci na Caparica, em Agosto de ’87, e que, desde então, nunca mais vi.
Naquela altura, eu e o meu amigo Zé Carrilho passávamos os fins-de-semana e as férias emigrados na Costa, com os nossos chaços amarelos a cheirar a coco. Num sábado quente, vimos passar no paredão da Praia Nova a nossa antiga colega de escola Urinapacova, a quem chamávamos assim por causa do seu aspecto siberiano. Apesar de loura, a Urina – que odiava a alcunha, sobretudo na forma abreviada – não era uma miúda muito simpática nem gira e, por isso, tê-la-íamos deixado seguir em paz o seu caminho, não fosse o facto de se fazer acompanhar de uma bela morena que nos despertou imediatamente o apetite.
O Zé Carrilho, que tinha os dentes tortos e manchados por carência de flúor, mas que era um tipo cheio de lábia, não perdeu tempo. Em menos de nada, a Urinapacova e a sua amiga de origem turca estavam a comer uvas connosco na praia. O Zé Carrilho esqueceu-se logo das ondas e ficou para ali num intercâmbio de línguas, enquanto eu me pisguei com a prancha debaixo do braço, para não levar com a Urina, que era viciada em jogos de cartas e já se preparava para me engatar com uma partida de bisca.
Sibel era natural de Istambul, cujo pai, cardiologista de profissão, tal como o de Urina, tinha vindo a uma conferência em Lisboa e ficara alojado na vivenda que os pais desta possuíam na Caparica. Conhecer Sibel teve, para mim, um certo glamour, pois turcas, até essa data, eu só conhecia as toalhas de banho lá de casa.
Nessa noite, eu e o Zé Carrilho esperámos por elas no Saltarico, enquanto fumávamos e bebíamos sangrias.
- Vou tentar convencê-las a irmos para casa da Urina. A Sibel disse-me que os pais iam para o Casino Estoril – largou, piscando-me o olho.
- Pois, tu ficas com a Sibel e eu tenho de gramar com a Urina!...
- Sempre podes entreter-te a jogar à bisca...
Assim que elas apareceram, fomos para uma esplanada na rua dos Pescadores beber cervejas e foi aí que descobri o encanto de Sibel, algo que o Zé Carrilho parecia teimar em restringir às suas pernas sedosas e bem desenhadas. Era simpática e espantosamente comunicativa e culta. Com os seus olhos semicerrados, tipo Lauren Bacall, falou-nos da Trácia e da Anatólia; da confluente Istambul, atravessada pelo Bósforo, que tinha, como o Tejo, uma ponte alta e bela.
Não chegámos a ir para casa da Urina. Perdemo-nos na noite dos bares e das discotecas, onde vi, com alguma inveja, a deslumbrante Sibel ceder aos encantos do Zé Carrilho e partilhar com ele o hálito da pastilha “Gorila” de mentol que eu lhe tinha oferecido.
Ao fim de uns dias, Sibel regressou à antiga capital do império otomano, deixando-me uma das fotografias que eu próprio lhe tirara no pontão do CDS com a sua Kodak e a promessa de me escrever em breve. Não sei o que foi feito da carta mas ainda conservo os selos.
Em 2001, tive uma passagem meteórica pelo sudoeste turco. Os taxistas que se apinhavam no porto de Kusadasi para disputarem os turistas com os seus bigodes austeros eram um rasto muito vago de Sibel. Então, como hoje, lembro-me bem de ter pensado: para onde terão ido as suas belas pernas?

1 comentário:

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

É amigo é por estas e por outras que nós temos um tempo, "naquele tempo...".Na volta agora a gaja é gorda e usa burka para tapar a formosura...