quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

a onda eterna

- Que lês tu, ó vaca que lê?
- “O homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda”.
- Interessante...
- ... Familiar, diria eu! Fazendo sempre a sua onda, e nada mais fazendo, que distingue este homem duma vaca num prado verde?
- Se, em vez de poeta, eu fosse filósofo, responder-te-ia que precisam ambos dos seus elementos para crescerem. A diferença está no efeito, que na vaca é físico somente.
- Secundarizas, ó poeta, a minha dimensão terrena? Põe os olhos na Índia!
- Escuta, ó vaca: a vida é como a digestão! – absolutamente transitória! Quando eu era pequeno, costumava visitar uma tia do campo que tinha uma vaca. Impressionava-me muito o jeito indolente daquele animal volumoso; o seu inefável vagar, expelindo excrementos e mastigando sempre; mastigando sempre e expelindo excrementos, num acto mecanicamente idêntico ao de pestanejar. Foi nesse contexto que eu percebi que a vaca era a vida. E a vida uma vaca, absolutamente vaca e transitória.
- Não me compares, ó poeta, à vaca da tua tia! Eu sou artística! E, nessa medida, sou eterna!
- Concordo que essa observação inteligente e particularista não é para uma vaca qualquer, ó vaca!
- Que sabes tu de vacas, ó poeta? Que não têm mais nada para fazer a não ser abanarem o rabo para enxotar as moscas? E fornecerem os ossos para fabricar sabão? E os pelos das orelhas para fazer pincéis? E serem gordas no tempo da abundância? E assumirem a sina da sua pobre mão, que é ser comida com grão?
- Acalma-te, ó vaca! Pareces um touro enraivecido!
- Ai, se eu pudesse sair daqui, ó poeta, ai eu marrava-te!
- Não sejas vaca, ó vaca! Conta-me lá essa do homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda.
- Conheço apenas o meio da história, em que o homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda se deixa envolver, como diz aqui, “uterinamente” nela.
- Que poético, ó vaca! Sendo que nunca poderás mudar a página, esse homem que não tinha mais nada para fazer a não ser uma onda ficará para sempre dentro dela. Eis o que transcende a dimensão física e transitória do teu prado verde...
- MUUUUUU!...

1 comentário:

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

Bem só tenho a dizer ques as vacas são piores que os bois...marram com os olhos abertos...rsrsrs