quarta-feira, 22 de julho de 2009

deixa o meu cabelo em paz!

Tinha acabado de puxar a músculo um reboque de abóboras ao Armindo, desde a Atouguia até Ferrel, porque o tractor estava avariado.
- ‘Brigado, Nequinhas! Passa lá em casa, que a Norberta te dará cem escudos para cortares a guedelha!
- Eh pá, ó Armindo, deixa o meu cabelo em paz!
Montou a Zundap e correu à taberna da Cornélia, para comprar pilhas para a telefonia, que às cinco e meia jogava o Sporting.
Estava lá o Crocodilo Dundee, que tinha andado com ele na escola e era danado para judiar. Não vai de modas:
- Eh, Nequinhas! Vieste às compras à tu’ mãe? Leva-lhe também uma tesoura de poda, a ver se é desta que te apara o arbusto!
SOC, SOC, PUM, CATRAPUM!
- Toma, palhaço! Para não te armares em filisteu! Deixa o meu cabelo em paz!
Entrou em casa com cara de fuinha e foi à dispensa buscar o saco de caramelos espanhóis e a chave de fendas. Abriu com ela o compartimento das pilhas do velho Grundig como se operasse um olho ao Crocodilo Dundee.
Foi escutar o Ribeiro Cristóvão para debaixo da nespereira e, enquanto mascava os caramelos e ruminava na tesoura de poda, chegou-lhe a voz do vizinho Baptista, que procurava, do seu quintal, como ia o Sporting.
- Está a perder um a zero – soltou, em esforço, imaginando já o pulha do Baptista a cantar de galo.
- Sabes quando é que o Sporting vai ser campeão, sabes Nequinhas?
- ...
- Quando cortares o cabelo! Ah, ah, ah, ah, ah!...
E vai telefonia e vai caramelos e vai calhaus para o quintal do Baptista, que já se enfiara como um relâmpago na casota do Chalana.
- DEIXA O MEU CABELO EM PAZ!
Os anos passaram-se e o Nequinhas só decidiu aparar o arbusto quando entrou para a faculdade.
Alguém lhe tirou, por esses dias, a última foto que se lhe conhece dos tempos de Sansão, com a sua Dalila debaixo do braço, numa praia do sul, a caminho das ondas.
Antes de Nequinhas partir para Coimbra, Armindo, Baptista e o velho amigo dos tempos de escola Crododilo Dundee congeminaram-lhe a justa homenagem na taberna da Cornélia com um churrasco. Deles ganhou, para lembrar a data, uma fantástica t-shirt da colecção “Lúcia Piloto”.
No fim da janta, o Armindinho pediu silêncio e mandou pôr na aparelhagem, para todos dançarem, o single clássico do Oswaldinho «Deixa meu cabelo em paz».

2 comentários:

Sérgio "Isca" Ramalho disse...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...eheheh

David Caetano disse...

Ainda bem que a malta cresce e ganha algum "tino" na cabeça.
Olhem o amigo Nequinhas com aquela cabeleira?! Eu ainda me lembro ehehehh